Meritocracia, já!?


Você me diz: _a cada vez mais, estou convencido de que a democracia faliu. Precisamos de um governo geral meritocrático. Que retribua com poder desigual os esforços e valores desiguais. O único critério de igualdade deve ser a igualdade de oportunidades. Sob essa condição: aos melhores, a direção! Os piores, a seu lugar: silêncio e obediência!

Ao manter, por escrúpulo, a meritocracia como regime de igualdade de direitos, você, subrepticiamente, torna o direito equivalente à oportunidade, enquanto afasta do direito qualquer poder positivo. “Ter o direito” fica igual a “ter a oportunidade”. A oportunidade, nesse sentido, porém, é apenas uma porta, uma abertura, nada de positivo. Toda positividade, todo acesso concreto ao positivo resulta do esforço individual.

Imagem da meritocracia: uma sala repleta com muitas pessoas. Um início de incêndio*. Uma porta estreita se abre (a oportunidade igual para todos). No entanto, poucos podem passar por ela. Apenas os melhores terão sucesso.

Mas, eu lhe pergunto, as coisas já não são suficientemente assim como você gostaria que elas fossem? Já não vivemos em uma “mérito”cracia, sob alarme de incêndio? [Tudo acontece como se houvesse uma estreita porta aberta; de fato, não há nenhuma, o que aumenta o desespero de quem espera.]

E você: _não! Falta-nos a real igualdade de oportunidades. Numa sala pegando fogo, as oportunidades não são iguais, alguns serão privilegiados: os que estão mais próximos da porta que se abre, os mais fortes na luta...

E, eu: _ah, bom, mas, nesse caso, qual seria a diferença entre o mérito e a sua expressão como proximidade ou força?






(*) O fogo converte essas muitas pessoas em massa! Que, no entanto, é logo dissolvida em luta de cada um contra todos os outros pela sobrevivência. Conferir: CANETTI, Elias. Massa e poder. 4ª reimpressão. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2013 [1960]. P. 25 ss.


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