Biopolítica ou bio-economia

Subtítulos: Governo econômico dos modos de viver, Administração da vida pela publicação da intimidade dos lares


Dispositivo

O desejo é vida. E a vida não é, de fato, conceituável*.

A vida é o único e múltiplo “horizonte absoluto ou plano de imanência”**, e, como tal, jamais se deixa lançar adiante da vista (enquanto eidos, forma, aspecto visual e inteligível de uma essência), sem também se deixar ocultar atrás da vista – no, momentaneamente, invisível e impensável.

Assim, não é por nada, que o diabolizado Donald Rumsfeld falou do known known (do que sabemos saber, do que salta aos olhos, do evidente), do known unknown (disso que sabemos desconhecer) e do diabólico unknown unknown (disso que desconhecemos desconhecer)***.

Um modo de ser ou de viver (bios, modus vivendi) é uma determinação do desejo, uma disposição (hexis***-*) adquirida mediante o hábito, a autoformação ou o adestramento.

A determinação objetiva do desejo só se dá em um dispositivo. O dispositivo nada mais é do que uma máquina de captura, governo, direção e orientação dos desejos que o constituem.

Essa máquina de desejos é também evidenciável como uma prática discursiva***-**. Quer dizer, compreende a regulação de um modo de objetivação que lança adiante, que torna objetivo, que põe o desejo à mostra (e, na verdade, com efeito, simultaneamente, o oculta), numa evidência, numa sua determinação, como desejo de alguma coisa.

O dispositivo é um dispositivo do desejo. Por isso, sem desejo envolvido (na objetivação e na ocultação ou, dito de outro modo, na consciência e na inconsciência) não há dispositivo.

A genealogia propriamente dita ou a ontologia do presente

Lentamente e cada vez mais profundamente, nosso desejo tem se associado a um objeto determinado, o dinheiro (o símbolo de tudo, o símbolo por excelência). Põe-se à vista, portanto, o desejo como desejo de dinheiro, como simples interesse econômico, como desejo do lar.

Em sociedades monetárias, nas quais a moeda regula o ritmo da economia dos desejos, o dinheiro se torna o ícone, o índice e o símbolo de qualquer alegria, de qualquer aumento do desejo, e, por isso, o bem mais desejado, o sumo, o mais elevado objeto da avareza e da emulação***-***.

Assim, evidentemente, por exemplo, já não disputamos um simples campeonato de futebol apenas por disputar ou para vencer, mas razoavelmente para ganhar os prêmios financeiros decorrentes da vitória (que se torna, cada vez mais, apenas um meio para alcançar o prêmio)***-***-*.

Desse modo, nesse presente, a visão geral, panorâmica, de um macro-economista, como Rubens Ricupero, pode pensar o mundo sem pensar nas singularidades: os múltiplos modos de viver, os lares, os desejos. Nessa visão panorâmica, o mundo se mostra como uma série (finitíssima) de cinco alternativas de dispositivos, que ignora e desconsidera, como irrelevante, qualquer acontecimento, porque concebe e predispõe os desejos enquanto eventos sob uma lei econômica objetiva***-***-**.



(*) Conferir o artigo de Ferris Jabr, Why Nothing Is Truly Alive, no NYT. Sem perder de vista o site de Theo Jansen: www.strandbeest.com.

(**) DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia?. Trad. Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 1997 [1991]. P. 52.

(***) “Reports that say that something hasn’t happened are always interesting to me, because as we know, there are known knowns; there are things we know we know. We also know there are known unknowns; that is to say we know there are some things we do not know. But there are also unknown unknowns — the ones we don’t know we don’t know. And if one looks throughout the history of our country and other free countries, it is the latter category that tend to be the difficult ones”. Donald Rumsfeld citado por Errol Moris, em artigo no NYT.

(***-*) ARISTÓTELES. Éthique à Nicomaque. Trad. Jules Tricot [1990, 2007]. Paris: Vrin, 2012. I, 1103b20-25. P. 96.

(***-**) FOUCAULT, Michel. L’archéologie du savoir. Paris: Gallimard, 1969. P. 65.

(***-***) Conferir: SPINOZA. Ética, e4cap28.

(***-***-*) conferir: globoesporte.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/2014/03/queda-do-fla-na-libertadores-pode-comprometer-orcamento-em-r-10-mi.html

(***-***-**) Conferir RICUPERO, Rubens. Desindustrialização precoce: futuro ou presente do Brasil? Le Monde Diplomatique Brasil, ano 7, número 80, março 2014.

Grandeza da alma


Em casa, só, de camisa e cueca. Num momento de magnanimidade, visto uma bermuda, para recobrar a dignidade humana, solitariamente.

Proposições científicas improváveis III

Serra da Capivara – PI – BR – América do Sul


Apesar da Serra da Capivara, o pensamento científico dominante continua baseado na hipótese da origem única do ser humano – mesmo quando aceita a tese de que, desde a África, o humano chegou à América não só pelo Estreito de Bering, como também pelo Atlântico.

Ainda não se chegou, cientificamente, à realidade da tese da múltipla origem geográfica do humano (isto é, à tese da inexistência da humanidade).



Proposições científicas improváveis II

Foram detectados altos índices de resíduos agrotóxicos nas sementes de mamão originadas de lavouras controladas orientadas para o mercado*.

Entretanto, o consumidor, em geral, descarta as sementes de mamão, e ingere somente a polpa**.

Logo...



(*) Ferryboat Cientific Magazine, 2013, vol 5, nº 4, p. 234.
(**) FCM, 2014, vol 1, nº 2, p. 14.




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semente (não) somente
se (não) só
mente (não) mente






Este será o dia!

E quanto à exigência – não apenas viver, mas saber o que se faz da própria vida –, quê?

Que significa esse controle-consciência da sua própria vida? Isso é o quê? Que mais do que pretender posicionar a vida diante de si, e fazer da vida um objeto? Recuar diante da vida, para que ela se posicione assim adiante, isso é sequer possível?

That'll be the day! Repete incessantemente o trágico Ethan (John Wayne), em filme de John Ford.

Analogia por analogia, a vida (aqui, está para o ser, para a potência, para o plano de imanência, para...) é como o horizonte absoluto. Imersos, não podemos recuar em relação a ele, que está, desde sempre e inexoravelmente, também por trás de nós.

O dia da vida-objeto – este será o dia!

Honestidade e confiança


Podemos confiar no humano honesto. Ele vai agir ou deixar de agir segundo a ideia comum do dever. Por isso, também, é preciso desconfiarmos dele.


A honestidade na filosofia

O que seria a honestidade na filosofia?

No uso da vida, dizem-nos, é viver, obstinadamente, segundo o dever (honeste vivere)*. E o dever, no viver, é algo de que todos nós teríamos a mesma ideia comum, apesar de obscura e confusa.

Muito bem. No entanto, a vida filosófica não é um uso comum da vida:
A própria questão diretriz de Husserl, uma questão na qual ele se aprofundou com uma conscienciosidade penetrante, era:
_ como é que posso me tornar um filósofo sincero?**
A sinceridade filosófica é uma obstinação a não avançar, publicamente, qualquer tese da qual não se tenha uma plena justificação racional intimamente adquirida.

Na filosofia, então, a vida honesta é um devir. Na vida filosófica, a obstinação da honestidade não é uma obstinação na sinceridade; mas, obstina-se a tornar-se sincero. A honestidade filosófica não é a sinceridade mesma, mas um devir sincero.

Nesse devir, nesse movimento incessante, avançam-se sem cessar as mais desbaratadas hipóteses.

O filósofo honesto reconhece, ao menos para si, constantemente, a sua própria insinceridade.






(*) KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes I: Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito . Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2004 [1797]. P. 43.

(**) GADAMER, Hans-Georg. O movimento fenomenológico [1963]. Trad. Marco Antônio Casanova. In: Hegel, Husserl, Heidegger. Petrópolis: Vozes, 2012. P. 147.

Uma questão de justiça

A cada um segundo as suas capacidades (uma interpretação do princípio: jus suum cuique tribuendi). 

Por isso, proclama o vulgo:
_ “Deixemos as mulheres bonitas aos homens sem imaginação.”*



(*) PROUST, Marcel. A fugitiva. Trad. Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: Globo, 2012 [1923]. P. 23.