Teologia e estratégia


– As pedras estão todas soltas!

Diante disso, não assumir uma visão apocalíptica (o mundo está ruindo), mas uma atitude estratégica (isto é, contemporânea).


Metafísica e estratégia


O pensamento metafísico (como chamá-lo?) caminha assim: assenta seu passo num solo firme, seguro, absolutamente garantido, antes de dar um próximo passo. Quanto mais tempo dedica, e quanto mais segurança obtém no primeiro fundamento – acredita –, tanto mais rapidamente poderá caminhar na sequência. – Todo seu impulso se encontra, portanto, no fundamento.

O pensamento estratégico não exige (porque não pode exigir) garantia absoluta de nenhum solo. Caminha sempre como que sobre ovos ou pedras soltas. As opções que toma nos seus passos estão sempre condicionadas à consideração das variações que podem ocorrer, a qualquer momento, nas sendas alternativas que se lhe apresentam para ir adiante ou, se preciso, para recuar. O seu impulso não provém da firmeza de nenhum solo, mas do próprio movimento. Quanto menos se assenta nas pedras (afinal, elas estão todas soltas), mais autônomo – para ele – se torna seu caminhar.


A verdade e o múltiplo

– A verdade é uma só. Se conversarmos educadamente, se deixarmos falar o outro, se o ouvirmos, se ponderarmos nossa posição pelas colocações e argumentos do outro, chegaremos necessariamente a um consenso, que, se não é a expressão da própria verdade, pelo menos, será a posição mais próxima à verdade que, numa determinada situação, nós poderemos alcançar.

– Nada disso. Ou melhor, também ainda isso: para vivermos juntos e com a verdade, não precisamos estar necessariamente em consenso, e fazer convergir nossas opiniões em uma só e comum. Existe o que se pode chamar de compromisso. Eu cedo nisso, e o outro naquilo. Compromisso é uma espécie de ponto de equilíbrio dos desejos (não é um contrato). E se alcança por barganha. Não se alcança por argumentos apenas, mas também por um jogo de forças.

– Mas, isso degenera em violência.

– A força não é sempre fisicamente manifesta. Falo de um jogo dos desejos-forças.


A pulsão pelo um – III et sic in infinitum


O que vem em primeiro para o conhecimento: a física (mas esta já ficou um pouco para trás) ou a biologia? A biologia ou a economia?

Para nós (mais para trás ainda, para os retardatários), a briga é esta:

– A ciência primeira é a metafísica ou a política?

Talvez esta briga nossa seja a briga entre duas pulsões: – entre a pulsão pelo um e a pulsão pelo múltiplo  ...entre [o amor/dominação] e [os amores/insurreições].


A pulsão pelo um – II...


Disso, que afirmamos na ideia, com as palavras, é sempre bom dar um exemplo real (aos empiristas): 

– “...a velha insinuação de que todo pensador importante tem essencialmente uma única ideia fundamental”* – da qual todo o resto do seu pensamento é apenas derivado. 

Uma única ideia fundamental? Se você a detém, você detém o pensador em suas mãos.

E podemos ir além. Ora, e essas ideias fundamentais de cada um dos pensadores importantes, não seriam elas todas uma única e mesma ideia? Não se pode reduzir todo o pensamento possível a uma única e mesma condição? – (O que seria, para mim, uma grande infelicidade) –







(*) FREDE, Dorothea. The question of being: Heidegger’s project. In: GUIGNON, Charles B. (Org.). The Cambrigde Companion to Heidegger. 2 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. P. 42.

A pulsão pelo um


Podemos perceber, por todo canto, isso que nos aparece – digamos – como uma enorme pulsão pelo um.

Uma pulsão não é necessariamente um querer, mas uma força-desejo (ou melhor, forças).

Uma enorme força redutora ao apreensível e ao manipulável. Ela reduz a multiplicidade para que a tenhamos em mente e entre as mãos.

Para que se diga: – eu a tenho na palma de minha mão.

Atenção

– A minha atenção é atraída para diferentes objetos saltitantes. Dessa maneira, o meu grande esforço de atenção é focá-la num objeto que mereça atenção.

Até mesmo ser acometido dessa ideia, em sua revelação, é uma distração da atenção.


O Monstruoso

Nosso modo de viver coletivo no mundo, afinal, é um monstro (com seus aspectos ou caretas: a sociedade de consumo, do espetáculo, a sociedade industrialmente avançada, a revolução burguesa, o império, o capitalismo, o biopoder).

Nós criamos um monstro (não no sentido de que ele seja uma criatura nossa, mas no sentido de que nós o cultivamos e cultuamos; como quando dizemos: “criamos um boi”). Um monstro que vive não apenas às nossas custas, mas da nossa carne-no-mundo. Um deus-afeto monstruoso (um Leviatã).

– Não podemos nada contra ele? Num equilíbrio mortífero muito grande, ele assimila tudo o que lançamos contra ele, até mesmo, a nossa subjetivação mais rebelde. Um monstro feito de carne e carnívoro; um monstro-afeto afetado de nossos afetos.

A lança que matará o dragão – pois o Monstruoso é certamente um ser finito, como todas as coisas da natureza – será uma metástase imanente (uma revolução da sua própria patologia) ou um objeto transcendente?


Uma questão

Desejo, prazer, prudência – como estas palavras se articulam umas com as outras? Mas, não me responda com desejo, nem com prazer, nem com prudência.

Sentido da vida

O que eu pensava que aconteceria no fim, acontece durante.

– Com isso, o fim é o nada. O fim deixa de ser um sentido para mim. E, assim, tudo perde sentido, porque o meio já não aponta mais para nada.

Mas, vejamos. Se, o sentido, nós o colocamos no fim, então, é o durante que não tem sentido em si. Há muitos caminhos para se chegar a um fim. E este caminho meu, pode ser substituído por outro. Se o fim é tudo, o nada está no durante.

O sentido tem necessariamente essa forma: (a) –> (z)?
Não poderia ter essa outra: (a), simplesmente (a)?


Essência no fim ou no começo? Potencial ou atual? – III



Pode nos parecer estranho que isso-que-faz-com-que-uma-coisa-seja-realmente-o-que-ela-é esteja no seu fim e não na sua atualidade (não no seu devir, mas no seu acabamento).

Já que, para nós, isso-que-faz é geralmente uma causa fazedora, uma causa eficiente.

Entretanto, é preciso reconhecer que, para nós, essa causa fazedora, nós a concebemos em geral como externa à coisa e, sendo externa, ela não nos parece ligada à natureza própria da coisa.

Aristóteles pensa em meio às nossas próprias colocações.

Aristóteles concilia nossas duas opiniões comuns (a de que isso-que-faz tem que ser uma causa e a de que a causa fazedora é externa à coisa) com a sua ideia de que a natureza da coisa é a sua finalidade, dizendo-nos que essa finalidade é uma causa – uma causa final.

Ora, a força causal de um fim só pode ser atrativa.

O fim só exerce o seu poder (ou o seu princípio de força) sobre a efetuação do real atraindo-a para si.

A causalidade final, em termos físicos, é uma espécie de força gravitacional – dá o movimento do mundo, porém, não exige seu colapso; pelo contrário, mantém tudo em ordem, e girando, e circulando, em torno do fim último como causa primeira.

Essência no fim ou no começo? Potencial ou atual? – II


O que você prefere?  – Pois, talvez, isso seja uma questão para a sua preferência.

Que sua essência – isso que você realmente é – esteja no seu fim ou que esteja atual, aqui e agora?

Uma coisa é realmente isso que ela se tornará, talvez, um dia?
Ou: uma coisa é realmente isso que faz o seu tornar-se?


Essência no fim ou no começo? Potencial ou atual?


Para Aristóteles, a natureza de uma coisa – sua essência, isso que mostra o que ela realmente é – está no seu fim, que é também o seu máximo, a sua excelência, a sua realização plena. Assim, ao longo da duração da coisa, sua essência é apenas potencial.

Para Spinoza, muito pelo contrário, a natureza de uma coisa – sua realidade – está na sua potência atual, que é também o seu princípio, a partir do qual as coisas que lhe dizem respeito acontecem. Já o fim de uma natureza é indefinido – afinal, ninguém sabe o que uma coisa finalmente pode.

Ação III


Há algo ou tudo na ação que se refere à amizade (ou, mais precisamente, à relação humana).

Ou se age em direção a um amigo, ou junto com um amigo, ou contra um inimigo (em “um amigo”, leia-se, não exatamente “um humano”, mas “um outro”).

Por isso, a ação requer significado.

Como o significado é relacional (ele só se fixa, em realidade, por relações), a ação não é de um sujeito: a ação nunca parte do agente sozinho. 

Daí, também, uma possível teoria semântica: “O significado se encontra nas preposições”.


Ação II



Pensar é agir sem se mexer? Mas isso é um paradoxo!

Inventa-se (inventar é sempre, também, descobrir o que já estava lá) a alma – movimento e princípio do movimento. Afinal, o corpo sem alma não se move. E, como disse Platão: o que é, para si mesmo, o princípio do próprio movimento é imortal.

– Não se preocupe (don’t worry!). Você age, mesmo quieto (em latim, quies = repouso que não se mexe) e sempiternamente.

Assim: não é exatamente a alma pensadora que é prisioneira do corpo quieto, mas o corpo falador que é escravo dessa dominação (toda invenção – e toda ação é uma invenção – é uma outra maneira de dominar).


Ação


Há sempre algo que me impede (devem ser algumas cordas, mas eu não as vejo, nem vejo onde cortá-las).


Para falar a verdade...

A verdade é tão elevada que nada abaixo dela pode lhe servir de medida.
Assim, não podemos julgar a verdade por meio da falsidade.
Só a verdade é norma para a verdade (veritas index sui).

E, assim, o velho, o muito velho critério epistemológico do saber só pode ser uma verdade auto-evidente.

Descartes encontrou a sua norma (a sua pedra de toque) na certeza de um saber absoluto.

“Eu penso” é o conteúdo, o objeto de um saber reflexivo (pensamento de pensamento, na forma de “eu sei que eu penso”) cuja certeza inquestionável deve valer como norma para todo outro saber.

Sócrates, por seu lado, encontrou sua verdade em um não-saber.

“Eu não sei de nada”. E assim “só sei que nada sei” – que é o saber de sua ignorância: e também a maior das ciências (como o “eu penso”). Ele se servia dela para “quebrar o pescoço” dos seus interlocutores. E, por isso, foi acusado e condenado por “corromper os jovens da cidade”.

E Nietzsche, no auge do paradoxo e da corrupção, encontrou sua verdade numa não-verdade.
“Não há verdade. Tudo é permitido”.

A arrogância do discípulo


Quando você for à “escola”, pense na inscrição que deveria figurar no arco do seu portal de entrada.

“O ensinamento não pode se inscrever senão em uma alma consciente de sua ignorância”*.

O arco é muito baixo.
Para entrar, é preciso dobrar o pescoço.
Como fazem os súditos.



(*) GOLDSCHMIDT, Victor. La religion de Platon [1949]. In: Platonisme et pensée contemporaine. Paris: Vrin, 2000. P. 30.