A pudenda origo da filosofia



Todo historiador da filosofia, num determinado momento da sua carreira (e quando ele já se sente suficientemente abastecido para isso), vê-se obrigado a responder à seguinte pergunta: se é verdade que a filosofia tem origem nos gregos, por que a filosofia nasceu na Grécia e não entre os bárbaros?

Segundo Marcel Conche, os gregos puderam se tornar filósofos por duas razões:

1) porque inventaram o alfabeto, que permitiu expressar textualmente um pensamento claro e distinto;

2) porque puderam estabelecer uma relação reflexiva direta com a natureza, sem o intermediário de nenhum mito de origem.

Deixemos de lado a primeira das razões (se o tipo da relação da linguagem com o pensamento já nos parece indecidível, o da relação entre o alfabeto e o pensamento, ainda mais).

Para Conche, os gregos e não os bárbaros puderam estabelecer essa relação direta com a natureza, porque eles foram esclarecidos por Homero. Se o poeta “fixou para os gregos uma teogonia” (nas palavras de Heródoto), ele, “ao mesmo tempo, ao fazer dos deuses objetos poéticos, nos quais não se crê de verdade, libertou os gregos dos seus deuses” (nas palavras de Conche)*.

Assim sendo, a filosofia deveria a sua origem à poesia. 
Origem que, mais tarde, a filosofia, sabemos, vai veementemente renegar. 
Pudenda origo!



:: para outros :: inversamente :: a poesia é o fim (não a origem) da filosofia



(*) CONCHE, Marcel. Anaximandre: Fragments et témoignages. Paris: PUF, 1991. P. 9.

Nenhum comentário: