A apresentação humorada do mundo

Quando o humor não é representação do ator, mas espontaneidade do autor – pura manifestação quase automática – não premeditada, então presenciamos uma interessante ocorrência da imaginação.

Num certo modo do dizer, neste tipo de humor, a imaginação aparece dissociada da criatividade. O humor não põe algo a mais de positivo no mundo, não cria, mas produz um efeito desestabilizante pela comparação do nosso mundo com outros mundos possíveis. Dissociada da exigência de fazer mundo, própria à ação criadora, o humor imagina mais livremente o outramente.

A desestabilização do nosso mundo pela simples comparação com outro provoca a pulsão do riso. Por isso, o riso é semelhante à radiotividade, que pode ser interpretada como sintoma de uma desestruturação interna ao átomo-indivíduo. E no coletivo, também, o riso tem o mesmo efeito contaminador e bombástico da radiação atômica.

Nem toda apresentação de um outro mundo possível (que desestabiliza, porque torna o nosso mundo apenas um outro) é humor. Muitas vezes, a apresentação do outro mundo é séria, e de alguma forma nos entristece – e com isso desaparecem as características do humor, que são ligadas à alegria. Talvez seja a função criativa da apresentação o que a afaste das esferas do humor. Com a intenção de criar, o que a apresentação apresenta não é o outro possível, mas o mesmo de outro modo.

A apresentação humorada deixa o mundo como está – mas destaca seu caráter contingente, irrisório, ridículo no seu absoluto. É a fala do cínico.

A apresentação criativa – própria do demiurgo – é proselitista, adiciona uma proposição ao mundo e procura os meios para realizá-la, tornando essa realização de alguma forma necessária.

O comum e a linguagem

A linguagem é o comum, que une e separa os seres humanos. Congruentes com as relações de significação, o comum é tecido, de modo inextricável, também por relações de poder e por relações de produção. Por isso, seria redutor restringir a experiência mundana do comum ao significante, à política ou à economia.

Minha linguagem não é minha...

A linguagem é como um grande lago, à beira do qual todos nós habitamos. De suas águas retiramos nosso sustento. Nelas batizamos nossos filhos. A elas retornamos os nossos mortos.

Para além desse lago, está o infinito deserto, aonde podemos nos aventurar somente com grandes carregamentos de água.

Cada ponto desse deserto é exatamente igual a qualquer outro, de modo que, ao nos deslocarmos, não percebemos o movimento, e tudo se passa como se não saíssemos do lugar.

O além, que houveramos concebido infinito, então nos aparece como finito, reduzido a um único ponto.

Só então nos damos conta de que, quando perdemos nosso lago de vista, perdemos também o caminho para achá-lo novamente.