Por uma ética da leitura: transportar-se por meio de...


Se você lê um texto, vê um filme, ou ouve alguém, de maneira atravessada, apenas para saber do que ali se trata, se você não encarna a letra do texto, se não se estabelece algo de comum (conveniente ou contrariante) entre você e a imagem do filme, ou entre o seu e o corpo do outro, então você não é transportado, por meio do texto, do filme ou da outra pessoa, a um outro modo de ser você mesmo.

Exílio ad infinitum

A volta do exílio nunca ocorre. Ela é apenas um exílio dentro de outro. Onde se está, nunca se está de volta. Aqui, seja onde for, é sempre o exílio do exílio do exílio do...

Sempre elogiar o acontecimento II – _Mejor! Assim...



A máxima ética _ Mejor!_ não se trata de um fatalismo, de um amor fati passivo. Pois nesse Mejor! trata-se de encontrar, ativamente, a razão do acontecimento, a melhor alternativa. Trata-se de inverter o fato em oportunidade, a necessidade em liberdade.

Com efeito a máxima ética daquele meu conhecido (e amigo secreto) é: _Mejor! Assim...

– Nossos cavalos, neste deserto, vão em breve morrer de sede? _Mejor! Assim, poderemos comer sua carne...

Mecanismos afetivos XIV – rebatimentos


O desgosto (o nojo) que sentimos dos outros é, às vezes, o desgosto que sentimos de nós mesmos.

Tomemos alguém que admiremos por suas qualidades que, em nossa imaginação, acentuamos demasiadamente. Essa admiração que temos pelo outro se reflete em uma depreciação de nós mesmos, pois, referidas às qualidades do outro, imaginamos nossas próprias qualidades muito inferiores – e isso nos entristece.

Esta tristeza que sentimos com nós mesmos nos enjoa. Para evitar esse enjoo com nosso próprio ser, mecanicamente, projetamos o desgosto sobre o outro que admiramos, e o, ao invés de apenas admirá-lo, ficamos enojados com ele, pois o imaginamos como causa do nosso desgosto. O nojo se sobrepõe, neste caso, à admiração.

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É teoricamente interessante perceber, em alguém que nos alegra e que, por isso, amamos, uma concepção teórica incompatível com a nossa.

Deus e o acabamento de toda soberania


De acordo com Spinoza, a infinitude da natureza divina se exprime da seguinte maneira.
“Nenhuma coisa singular na • natureza >•|das coisas| dada-é, que [dada], •• não dada-seja outra >••|mais potente e mais forte|. Mas, sendo alguma [coisa] dada, dada-é outra mais potente, pela qual aquela dada pode destruída-ser” (e4ax).
A natureza é infinita pois, ao se tomar nela um indivíduo qualquer, de potência determinada, será dada sempre, também, uma potência exterior ao indivíduo tomado que supere a sua potência determinada.

Seja N a natureza de potência infinita Pn. I, o indivíduo determinado de potência Pi. Haverá sempre, em N, um indivíduo I’, cuja potência Pi’ será superior a potência de I’.

Assim, se N é o indivíduo infinito, não haverá jamais um I que seja seu sucessor imediato, ou seja, que não tenha, no interior da própria natureza, um outro indivíduo I’, que lhe seja superior.

N não tem nenhum representante no seu próprio interior.

Com isto, indica-se a inadequação da noção histórica de soberania, que deriva imaginariamente seu poder da potência de Deus.

Sempre elogiar o acontecimento


A máxima ética de um conhecido: _ Mejor!
Ou seja: sempre elogiar o acontecimento.

Estamos perdidos no deserto entre Argentina e Bolívia? _Mejor! Assim, não precisamos voltar tão cedo ao trabalho. Nossos cavalos vão em breve morrer de sede? _Mejor! Poderemos comer sua carne...

Tendência à especulação

É possível que nós tenhamos, em maior ou menor grau de vivacidade, uma tendência natural à especulação (e, assim, à filosofia). Esta seria a razão da sabedoria popular, da qual a filosofia seria apenas uma espécie de ramificação disciplinada.

Confrontados às situações do mundo, nas quais estamos irremediavelmente inseridos, nosso regime mental observa, colhe, recolhe, coleciona, agrupa, distingue, excogita ideias, e, finalmente, formula regras de vida úteis ou, até mesmo, teoremas sem qualquer utilidade para a existência.

Assim, recentemente, ouvi de um amigo a tese de que, quanto mais nos aproximamos da linha do Equador, mais negra fica a nossa pele. Segundo ele, somos mais negros os de Guiné, do que os de Angola.

As crianças, também, não cessam de excogitar, e formular teorias. Um comportamento que, ao que tudo indica, vai desaparecendo conforme o humano se torna adulto. Já que os adultos (talvez por não saberem mais rir de si mesmos) se riem das esquisitas teorias das crianças.