Saudades dos filhos

o pai é o que é
não em si mesmo
(no que efetivamente tem),
mas fora de si,
nos filhos que tem
(e que efetivamente
sempre vai deixando de ter)
assim,
sendo o que é, o pai
vai sempre deixando de ser

Linguagem ao infinito


Novamente Pessoa:

“Amamos sempre no que temos
o que não temos quando amamos”

PESSOA, Fernando. Obra poética. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005. P. 184.

Aparentemente, temos aí uma armadilha da linguagem, semelhante àquelas que Foucault menciona em "Linguagem ao infinito". Um jogo da linguagem, em que a própria linguagem anula sua função referencial. Um jogo da linguagem consigo mesma. Autônoma, auto-referencial, cobra que morde o próprio rabo, assim: ganha corpo, vive por si, fala, mas não de si. O modo de subjetivação da linguagem, o modo pelo qual a linguagem vira sujeito, não exige que a linguagem fale de si, mas que se mostre em seu ser. Uma armadilha que nos lança e nos prende ao ser da linguagem.

É possível a réplica: nessa mostração da linguagem em seu ser, temos a mão de um Pessoa, ou de um Malarmé, de um Blanchot, de uma Sherazade. Mas – réplica da réplica – a mão que fecha o círculo da linguagem, nesse mesmo gesto de dobra da linguagem, abandona a linguagem a si mesma. E aí Pessoa, Mallarmé, Blanchot e Sherazade já não dizem mais nada.

Talvez assim seja e deva ser a informaçãoBLOG na sua pureza, sem sujeito, sem autor.

Pessoa: nota preliminar a “Cancioneiro”

Uma nota preliminar a “Cancioneiro”. Uma única página. Para um certo Fernando Pessoa, numa concepção próxima a dos clássicos, estamos sempre diante de duas paisagens (e, importante, ele não considerava isso uma metáfora): uma exterior, relativa a nossos sentidos externos, e uma interior, relativa a nosso sentido interno. Quase kantiano. Digo quase, porque para Kant, o sentido interno remete esteticamente ao tempo, enquanto esse Pessoa fala da percepção do estado de alma como percepção de uma paisagem, que é portanto percepção de um espaço. Essas paisagens, a interna e a externa, interferem uma na outra, misturam-se de tal forma que a separação entre espaço interno e externo se dilui.
PESSOA, Fernando. Obra poética. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005. p. 101.