Respeito

Na palavra ‘respeito’ vige o mesmo radical vigente em ‘aspecto’, ‘espetáculo’; o que a coloca em relação com o olhar. Respeitar algo é também olhar para algo.

Luzes ou trevas

BBC: A Câmara baixa do Parlamento da Bélgica aprovou nesta quinta-feira uma lei que proíbe do uso do véu islâmico que cobre o rosto em locais públicos.

Isso é, claramente, uma forte limitação da liberdade religiosa.
Para alguns, esta limitação convoca, claramente, uma atitude de libertação.
Tanta clareza ofusca as trevas.

Duas questões

Se a pergunta que a metafísica faz esquecer é: – por que há o Ente e não antes o Nada? –, esta outra: – por que o Mesmo e não antes o Outro? – é a pergunta que a subjetividade não cessa de se colocar.

Diluição e decantação

Tudo isso aparece para se diluir no esquecimento, na inutilidade, no motivo nenhum, na finalidade nenhuma. Nessa fala vigora um silêncio decantado, que é um fundo sonoro, idêntico, contínuo, de fonemas acumulados e indistinguíveis.

É o falar do anjo da história que se vira para frente.

Sade, o bárbaro

Sade e a minuciosa ordem da barbárie.
O ritual bárbaro.
O deus bárbaro.
Teologia bárbara.
Racionalidade bárbara.
O Outro repetindo o Mesmo.
O Mesmo é só um avatar do Outro.
O mesmo-Outro, o outro-Mesmo.

Matéria e antimatéria

À frente da cidade, o bárbaro.

Cidades bárbaras. Civilizações bárbaras. A negação da ordem tem ordem. O inconsciente como linguagem. O caos ordenado.

Há também império no bárbaro? Há império bárbaro? Se o bárbaro constitui um império, então haveria uma filosofia bárbara, uma antifilosofia?

O selvagem, o bárbaro e a cidade

O pensamento selvagem é autodomesticável ou domesticável, ele constitui a essência mesma da filosofia, como o selvagem é a essentia actuosa da cidade. Haveria também, talvez, o pensamento bárbaro, indomável, aquele sempre de fora, aquele que nunca penetra na fortaleza da filosofia.

A questão da filosofia: há o bárbaro no pensamento? Há algo que escapa ao império, ao chicote e à cadeira da filosofia, à sua espada e ao seu escudo?

Domar é canalizar, ordenar, organizar. Domar é dominar, colocar sob império.

Camadas

Abordar a filosofia na sua historicidade nos coloca imediatamente numa espécie de petição de princípio. Na perspectiva da história da filosofia, estamos desde já sob uma interpretação moderna da filosofia. É o moderno falando modernamente, ou seja, a partir de si mesmo para si mesmo.

E isso pode ser evitado?

Talvez, as filosofias não se sucedam no tempo, mas se fixem, aqui, lá, no espaço do pensamento. Esse espaço é único? Pergunta que equivale a essa outra: as filosofias são comensuráveis?

Ou, pelo contrário, serão elas todas de espaços todos outros? Se for assim, então, só podemos reatualizá-las (perceber apenas suas projeções em nosso plano), nunca podendo nos deslocar de nós mesmos? Não se pode fazer a experiência absoluta do outro?

Ética, política e metafísica – interpretando Foucault



Três elementos irredutíveis e ao mesmo tempo indissociáveis uns dos outros: poder-verdade-sujeito.

Uma experiência envolve estes três elementos, mas a partir da perspectiva do sujeito.

Uma governamentalidade envolve estes três elementos, mas a partir da perspectiva do poder.

Um pensamento, os mesmos três elementos, mas a partir da verdade.

Ética, política e metafísica.

Coragem e silêncio

Notemos, por princípio, que a coragem é uma virtude, mas que a virtude envolve tanto a fala como o silêncio.

Em geral, para falar, ao invés de permanecer calado, é preciso uma dose de coragem. Mas, silenciar também pode ser um ato positivo de resistência (exemplo do torturado).

Em geral, silenciar é um ato de covardia. Mas, tomar a palavra e preencher com a fala o silêncio do que não se pode dizer é covardia (exemplo da atitude tirânica).

Coragem e covardia, em relação ao silêncio, estão associadas de duas maneiras: (1) coragem de falar e covardia de silenciar, e (2) coragem de silenciar e covardia de falar.

Toda a questão é saber quando nos encontramos numa situação, quando na outra.

Vocação II

Por vocação, costumeiramente, compreendemos um talento individual. Mas vocação também se compreende como um chamado, um apelo.

A vocação, no primeiro sentido, pode ser a base de uma ética que se associa, se acrescentarmos ao primeiro o segundo sentido, a uma metafísica.

Liberdade e fraqueza de espírito

Sinal de sua fraqueza, nos espíritos livres sempre se instaura um recuo, uma dúvida, um receio diante de um imperativo, diante de um dever.

Eles ficam com a impressão de que não têm suficiente força física e determinação intelectual para uma moral.

Irradiação e solidão

Um pensador que alcança alguma irradiação do seu pensar – expor-se a um pensamento é como expor-se a uma forma de radiação –, sabe, sente que, quando ele pensa, já não pensa sozinho.

A população

A população já é uma redução da multiplicidade do múltiplo. Essa redução já é uma apreensão. Essa apreensão já é governo.

multitudo (sem o artigo) é ingovernável.

Saul/Paulo

Com o indivíduo, a mutação de Saul a Paulo se dá pela graça, pelo acontecimento (não pela fortuna). Essa mutação permanece sempre aberta, possível, já que desconhecemos as causas que a determinam e quando elas se reúnem.

Da mesma forma, com o múltiplo enquanto múltiplo, com a multitudo, a sua mutação, a sua passagem para um estado de multidão-Paulo tem que passar pelo levante e não pela revolução. Desconhecemos o que faz uma multitudo se erguer e correr perigo, enquanto as causas da revolução são conhecidas.

O vidro

Voltemos a Proust, à questão do vidro do aquário e à diferença de pressão entre o interior p e o exterior p':




Se tomarmos um plano (uma lâmina muitíssimo fina) que passe no interior do vidro, a diferença entre as pressões dos dois lados do plano, ∂p, deve tender a zero, ou o vidro não manteria sua estabilidade interna.

Se percorrermos assim o interior do vidro, de um lado a outro, a cada minipasso, encontramos a mesma diferença minimal de pressões, de modo que, no total, no somatório infinito do infinitamente pequeno, a diferença de pressões se faz considerável, embora tenda a zero em cada local.

Isso explica por que não basta uma grande diferença de pressões para que haja uma revolução. É preciso o levante. E o ímpeto do levante é inexplicável. Como diria M. Clavel, é algo, na terra, que corresponde à graça divina da salvação.

Vocação

Foucault dá sua ideia de informaçãoBLOG:

“O que eu disse aqui não é ‘o que eu penso’, mas frequentemente aquilo acerca do que eu me pergunto se não o poderíamos pensar.”*

(*) FOUCAULT, Michel. Pouvoirs et stratégies. Texto 218 [1977]. In: Dits et écrits. Vol. II. 1976-1988. Paris: Quarto Gallimard, 2001. P. 428.

Esquema do aquário

Sem pensar muito, eu diria que a pressão interna em um aquário, no fundo, é maior do que a pressão externa do ar que envolve o aquário.

Uma prova simples, mas pensada, dessa intuição, para mostrar sua correção, poderia ser a seguinte.



Por um pequeno furo feito na parede de vidro do aquário é a água que jorra para fora e não o ar que borbulha para dentro.

Não sei se isso responde e em que medida à “grande questão social” levantada por Proust: “saber se a parede de vidro protegerá para sempre o festim dos animais maravilhosos e se as gentes obscuras, que os observam avidamente na noite, não virão os colher no seu aquário e os comer”*.

(*) PROUST, Marcel. À l’ombre des jeunes filles en fleurs. Paris: Gallimard, 1988 [1919]. P. 249f.

A diferença entre moral religiosa e moral filosófica, prescrição e conselho

A moral religiosa prescreve na forma e com a força da lei.
“Para ser salvo, faça isso, não faça aquilo, e se fizer o contrário do que é prescrito, queimará eternamente no fogo dos infernos”.
A moral religiosa governa com base na esperança de recompensas e no medo das punições. Recompensas e punições que têm uma eficácia tremenda, pois, Deus sendo onisciente e onipotente, o julgamento divino é infalível e irrevogável.

Enquanto a moral religiosa prescreve, a moral filosófica aconselha.
“Faça isso, não faça aquilo, porque assim seria melhor para você ou para o mundo (e indiretamente para você)”.
Como tem a forma de um conselho e não de uma prescrição legal, idealmente, a injunção moral filosófica recebe sua força apenas do sujeito aconselhado. Cabe a ele, ativamente e por si mesmo, fazer de si um sujeito moral.

Mas, à medida que a moral filosófica, para quem a segue, se torna também uma paixão – e isso acontece muito frequentemente (amor do conselho, amor do conselheiro) –, sua força escapa ao sujeito aconselhado. E, na injunção filosófica, vemos também surgir a força do conselheiro.

O tirano e o soberano

O tirano faz e só quer fazer o que lhe interessa e agrada, sem pensar nem querer fazer o que agrada a todos em comum.

O soberano quer o que é o bem comum.

Mas, no fundo, dizem alguns, este soberano (que quer o bem comum) é um tirano, pois este, ao tornar objetivo o bem comum, acaba por impor a sua visão de bem. Por isso, como não há bem verdadeiramente comum, o soberano deve querer o justo, apenas o justo, e deve separar o justo do bem. O justo é o equilíbrio, na coexistência, dos diferentes bens próprios, tirânicos. Na justiça, todos permaneceríamos tirânicos.