Lei sobre a imprensa?


Depois da crítica pela literatura (Balzac), sempre rotulável de ficcional, a crítica científica do poder da imprensa se encontra em Gabriel Tarde.

Para ele, a nova sociedade “democrática” dos públicos, cada vez mais voláteis e, por isso mesmo, cada vez mais influenciáveis, tende a se subjugar às opiniões individuais dos grandes jornalistas e às causas partidárias bem alinhadas e orquestradas de um punhado de grandes clãs da imprensa.

“Por isso, é tão penoso fazer uma boa lei sobre a imprensa. É como se quiséssemos regulamentar a soberania do Grande Rei ou de Napoleão.”
TARDE, Gabriel. L’opinion et la foule. Paris: PUF, 1989 [1901]. P. 16.

Desejo espetacular

Nesse mundo de existências anônimas, isto é, continuamente homogeneizadas, “dessingularizadas”, note-se todo o esforço que um ser/potência/desejo é capaz de aplicar por um pouco de publicidade, para colocar-se (enquanto um si) à vista do público.

Mas há também um aparecer enquanto homogêneo e massa. “Eu estava lá!”. “Somos todos X”...



Problemas


Há tantos (nem mais nem menos) problemas em matemática, quanto em filosofia ou na vida. A vantagem da matemática é que os seus (na grande maioria dos casos) têm solução.

Todas as soluções matemáticas já estão postas nas condições estabelecidas pela formulação do sistema. Certamente há problemas que extrapolam o encadeamento com as suas próprias condições, e estes apenas são os insolúveis (Gödel).

Na vida e na filosofia, os problemas surgem no plano de pré-pensamento (imanência). O pensamento, para dar soluções, precisa então pôr ele mesmo o quadro de suas condições. Como ocorre, por exemplo, na sua geometrização.



Equivalentes inversos


Não fazer uma teoria geral da equivalência dos inversos.
Mas  constatar alguns de seus acontecimentos:
Acaso/Necessidade(sem origem-finalidade)
Esperança/Medo
Ignorância absoluta/Sabedoria absoluta

Sócrates não era um sábio absoluto nem um ignorante absoluto: ele sabia que não sabia nada*.

Então, para além de Sócrates, um estar para além da ignorância, do conhecimento e da expressão: “Pois o sábio como o idiota exprime pouco”**.

Isso (um caminho extremo e infinito, levado ao limite, ao salto, encontra seu extremo inverso) tem a ver com o que D. L. relata a respeito de Sócrates: “quanto mais prazer ele sentia em comer, menos ele precisava de temperos, quanto mais prazer ele experimentava em beber, menos ele contava com [ou esperava] a bebida que não estava a seu alcance; quanto mais reduzidas eram as suas carências, mais ele estava próximo dos deuses”***.







(*) LAÊRTIOS, Diôgenes. Vie et doctrines des philosophes illustres. Trad. diversos. Paris: Le livre de poche, 1999 [250]. II (Sócrates), §32. P. 239

(**) Camus apud BOVE, Laurent. Albert Camus, de la transfiguration: Pour une expérimentation vitale de l’immanence. Paris: Publications de la Sorbonne, 2014. P. 64.

(***) LAÊRTIOS, Diôgenes. Op. cit. §27. P. 235.

Mobilidade/devir/necessidade

Porque o mundo (e as coisas/seres/realidades/potências que o constituem) “não tende a nada e não vem de nada”*, porque não há finalidade nem origem do mundo, não precisamos dizer (como Camus) a “imobilidade”. Mas, seu equivalente inverso: uma infinita mobilidade (infinita, porque sem extremos, sem início nem termo).

Nem precisamos dizer ou postular o acaso. Melhor, seu equivalente inverso: um devir de pura necessidade, sem fatalismo, sem predestinação, como preferia Epicuro**, porque sem origem nem finalidade.



(*) Camus apud BOVE, Laurent. Albert Camus, de la transfiguration: Pour une expérimentation vitale de l’immanence. Paris: Publications de la Sorbonne, 2014. P. 61.

(**) LAÊRTIOS, Diôgenes. Vie et doctrines des philosophes illustres. Trad. diversos. Paris: Le livre de poche, 1999. Livro X (Epicuro), §134. P. 1313.

A realidade da imaginação

Ouço uma chuva que não chove. Um fantasma. Um ruído autêntico de chuva me chega através da janela, atrás de mim. Várias vezes, automaticamente, eu me giro para verificar a existência completa da chuva, da chuva que realmente chove. Reiteradamente, mas sem convencimento profundo, constato, com a visão, o nada de chuva. Apenas o som.

Viver a Paixão como Anunciação


Ela lia um livro, displicentemente, um romance, talvez, quando foi interrompida, com uma certa surpresa (a mão crispada), pelo anúncio de um acontecimento. O livro, então, nessa surpresa, inconscientemente, coloca-se ao lado do ventre e da potência de desdobramento.



Ora, este livro é o Verbo Incarnado: “A história de Meursault é este livro. Uma espécie de De rerum natura da incarnação da morte, quer dizer, da ausência do Sentido, de uma vida sem esperança [e sem medo], regida pelo acaso, em absoluta proximidade com o nada”*.



(*) BOVE, Laurent. Albert Camus, de la transfiguration: Pour une expérimentation vitale de l’immanence. Paris: Publications de la Sorbonne, 2014. P. 56.

Para uma marchinha de carnaval

Eu quero gozar
Eu quero morrer

Nessa vida-natureza
Tudo se mistura
A impura com a pureza

Eu quero morrer
Eu quero gozar

Em nenhum momento
Canta o pensamento
Como isso vai acabar

O que é alcançar uma meta?


Poderíamos resumir a atividade física e a orientação metafísica no mundo, segundo Aristóteles, da seguinte maneira, como um transvislumbrar.

Toda atividade física (ou mudança) visa à atualização de uma essência, que é o fim e o bem próprio à atividade. No entanto, nesse bem específico à atividade, e como que através dele, o ativista vislumbra, pré-conscientemente, o bem supremo, a plena perfeição de uma atualização integral, de um ato puro, de uma realização absoluta, que ele toma como uma meta absoluta e última no próprio alcance restrito de sua meta específica.

Este bem último, supremo, absoluto, final, transvislumbrado em toda atividade, é a resposta exemplar à questão do atingir uma meta. Este bem último é o que significa alcançar uma meta, e, nisso mesmo, ele é o princípio (transcendente) de toda atividade.

≈≈≈

Ora, esse transvislumbre é exatamente o oposto do “sentimento natural que todo ser tem por si mesmo [...], sem consciência refletida do passado nem do futuro, na pura atividade atual do presente que passa. É o presente da duração vivida, do tempo do desejo sem objeto”*. Exatamente o oposto de um olhar que não passa através das coisas, mas que permanece como toque e na superfície de si e das coisas.

(*) BOVE, Laurent. Albert Camus, de la transfiguration: Pour une expérimentation vitale de l’immanence. Paris: Publications de la Sorbonne, 2014. P. 46.

Sob o domínio do sol: Índia/Moscou


Como enfrentar, com que afeto enfrentar a suficiência, a capacidade de desapego, em uma disposição indo-epicureia de total preenchimento na frugalidade, na pobreza, no deserto, na solidão, no abandono das ideias, em um lugar onde nada precisa ser feito nem pensado, nem mesmo por dever?


Massa capital-memória e o seu desespero


O capital funciona como uma massa?
“A massa [o capital] traz sempre vivo em si um pressentimento de desintegração que a ameaça e da qual busca escapar através do rápido crescimento”*.
A mesma análise, a mesma questão, não se aplicaria também à memória (às lembranças que se acumulam frente ao esquecimento)?



(*) CANETTI, Elias. Massa e poder. 4ª reimpressão. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2013 [1960]. P. 15.





Sobre o atual

Por que se come tanta pipoca durante a exibição dos filmes produzidos para o “grande” público? Uma resposta (inatual?) de Aristóteles:
Nós nos dirigimos a uma outra ocupação quando a ocupação presente nos agrada apenas mediocremente: por exemplo, aqueles que, no teatro, comem doces fazem isso sobretudo quando os atores são ruins.
ARISTÓTELES. Éthique à Nicomaque. Trad. Jules Tricot. Paris: Vrin, 2012. X, 5, 1175b 10-15. P. 536.

SIMULTANÉ 2: o público!

Essência do público: a simultaneidade de uma ideia ou paixão compartilhada por um grande número de indivíduos (espacialmente dispersos e invisíveis uns aos outros) e a consciência individual dessa simultaneidade.





Conferir: TARDE, Gabriel. A opinião e as massas. Trad. Eduardo Brandão. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005 [1901].

É impossível obedecer a si mesmo

Isso pode ser demonstrado, de maneira simples, se definimos a obediência como uma atividade que se orienta por um comando ou uma lei externos, ou seja, uma atividade que se rege, ao menos parcialmente, por uma alteridade. Assim, como o eu não é um outro em relação a si mesmo, a obediência a si é impossível por definição.


SIMULTANÉ 1 bis (corolário): o inconsciente – simul – a consciência de si

O inconsciente é, no nível ontológico, a parte do desejo (ou do ser do si) que, devido à atuação dos limites do resto geradores da consciência de si, é um desejo de transgressão que precisou ser reprimido.

No nível gnosiológico, o inconsciente é a inconsciência que o si tem daquilo que precisou ser encoberto na produção da consciência de si.

Por isso, paradoxalmente, quando o desejo de transgressão se torna consciente, ele é também um desejo de fim da consciência, na proximidade da morte.