Diário de Moscou XXVI


Um lugar. Aquele, insuficientemente bom para se desejar ficar ali, e insuficientemente ruim para se desejar ir-se dali.




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Sou absolutamente contra aqueles que são a favor.
E absolutamente contra aqueles que são contra.





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Por realidade entendo isso que o intelecto percebe do real enquanto constituinte de sua essência.





Uma ideia verdadeira acerca do mundo


A distinção psíquica entre um “dentro” da mente (realidade mental interna) e um “fora” dela (realidade exterior) passa pelo corpo.

Se, com um variado e investigador movimento do corpo (uma “ação muscular”), uma determinada percepção não desaparece, então eu devo considerá-la como uma percepção irreal (a realidade que eu assim percebo é uma realidade interna, não uma realidade externa)*.

Um exemplo notável: – uma ideia fixa ou uma verdade eterna a respeito da realidade externa. Por mais que eu mova meu corpo, a percepção dessa ideia permanece a mesma, invariável e idêntica a si mesma. Assim, na distinção entre dentro e fora, é preciso que eu considere tal percepção como uma percepção interna, como uma percepção de algo que está dentro da minha mente e não fora dela. Uma ideia verdadeira (na medida em que é fixa ou eterna) é uma ideia minha, que constitui a minha mente ou deriva apenas dela!

Uma ideia verdadeira acerca do mundo é uma ideia do mundo exterior e também uma ideia interior minha (tal como afirmou Spinoza).





(*) cf.: FREUD, Sigmund. Complemento metapsicológico à teoria dos sonhos [1915]. Trad. Paulo César Lima de Souza. In: Introdução ao narcisismo, Ensaios de metapsicologia e outros textos. Obras completas. Vol. 12 (1914-1916). São Paulo: Companhia das Letras, 2011. P. 165.




Verdade como ramificação, dissociação, multiplicação


Dziga Vertov: o Kino-Pravda (Cine-verdade): “filmes que produzem filmes”*.

Foucault: “Os pensamentos, os discursos se organizam, é certo, por sistemas. Mas é preciso considerar esses sistemas como efeitos internos de poder. Não é a sistematicidade de um discurso que detém a sua verdade, mas, pelo contrário, a sua possibilidade de dissociação, de reutilização, de reimplantação em outro lugar”**.




(*) Vertov apud ROUCH, Jean. O filme etnográfico [1968]. Trad. Hugo Mader. In: LABAKI, Amir (Org.). A verdade de cada um. São Paulo: Cosac Naify, 2015. P. 81.

(**) FOUCAULT, Michel. L’extension sociale de la norme [1976]. In: DEFERT, Daniel; EWALD, François; LAGRANGE, Jacques (Orgs.). Michel Foucault: Dits et écrits. Vol. II. 1976-1988. Paris: Quarto Gallimard, 2001 [1994]. P. 78.




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Passamos o tempo... fazemos coisas que não servirão a nada... somos mais ou menos livres...



Experiência do limite


Em relação à experiência do cinema-documentário, a impressão que tenho é que nos situamos sempre na fronteira dele com outra coisa que já não faz documento.