Vibrações II

A respeito da definição do moralista:

(1) "Invejoso malvado (vilain jaloux) que quer privar os outros de um prazer"*.

(2) "Quero voltar-me, agora, àqueles que preferem vilipendiar ou rir dos afetos e ações dos homens, mais do que entendê-los"**.



(*) PROUST, Marcel. À la recherche du temps perdu: Du côté de chez Swann. Paris: Booking International, 1993 [1912]. P. 379.

(**) e3pref. Spinoza. Ética.

Vibrações I

Não se trata daquelas proximidades notáveis de que falava, mas de harmônicos próximos no timbre.

(1) "Pois o que nós cremos nosso amor, nosso ciúme, não é uma mesma paixão contínua, indivisível. Eles se compõem de uma infinidade de amores sucessivos, de ciúmes diferentes e que são efêmeros, mas por sua multiplicidade ininterrupta dão a impressão da continuidade, a ilusão da unidade"*.

(2) "De alegria, de tristeza, de desejo e consequentemente de cada afeto composto a partir destes, como de flutuação do ânimo, ou destes derivado, a saber: de amor, de ódio, de esperança, de medo etc. são dadas tantas espécies, quantas são as espécies de objetos, pelos quais somos afetados"**.


(*) "Car ce que nous croyons notre amour, notre jalousie, n'est pas une même passion continue, indivisible. Ils se composent d'une infinité d'amours successifs, de jalousies différentes et qui sont éphémères, mais par leur multitude ininterrompue donnent l'impression de la continuité, l'illusion de l'unité".

PROUST, Marcel. À la recherche du temps perdu: Du côté de chez Swann. Paris: Booking International, 1993 [1912]. P. 384.

(**) e3p56. Spinoza. Ética.

Assembléia de Deus

Numa assembléia de potências imediatas, quando a palavra passa, ou é tomada, faz-se o silêncio atentivo, como se, em cada elemento dessa reunião, se manifestasse, pela palavra, um modo da verdade; como se a potência da palavra fosse contínua, apenas emergisse de uma fonte diferente, sob outro aspecto, com a passagem.

É preciso mudar nossa ideia de paz

Obama, Prêmio Nobel da Paz, como pode? Como compreender isso? É pelo menos curioso – em nada, por si, evidente – essa ideia de que o representante do império da capacidade de destruição de boa parte do todo possa representar nossa ideia de paz.

Porém, vemos nisso uma não-evidência apenas porque não questionamos a evidência da nossa ideia de paz, e não tomamos como certo o fato de que é preciso distingui-la da ideia Nobel da Paz.

Seria um engano alcançar o repouso da compreensão, figurando-se que o Prêmio foi atribuído a Obama apenas como pessoa. Pois, se não fosse o representante do império da capacidade da guerra e, portanto, da guerra, Obama, pessoalmente, não seria o representante da Paz. O caminho da compreensão precisa ser outro – é preciso mudar nossa ideia de paz pela ideia Nobel da Paz.

É preciso conceber que esta Paz envolve a guerra, que esta Paz não só é continuação e efeito da guerra, como também a guerra é continuação e efeito desta Paz.

“Para a Paz Perpétua – Se esta inscrição satírica na tabuleta de um estalajadeiro holandês, sobre a qual estava pintado um cemitério, tinha por objeto os homens em geral, ou particularmente os chefes de Estado, que nunca ficam saciados de guerra, ou então apenas os filósofos, que sonhem esse doce sonho, não nos cabe decidir”. KANT, Immanuel. Para a Paz Perpétua. Trad. J. Guinsburg. In: GUINSBURG, J. (Orgs.). A paz perpétua: um projeto para hoje. São Paulo: Perspectiva, 2004. Pp. 31-87.

Quando falamos de dinheiro

O dinheiro nos aparece como o mais evidente. Quando chegamos a esse assunto, é como se não houvesse mais dúvidas. Aí, tudo é clareza e evidência (portanto índice de divindade), e nós nos entendemos. Necessariamente, sabemos do que se trata. Nossas opiniões se ajustam perfeitamente, sem espaço para interpretações divergentes.

O dinheiro parece ser o solo a partir do qual podemos imaginar nossa comunidade.

Entretanto, novamente, temos um exemplo do problema filosófico da inversão entre a causa e o efeito. Pois, metafisicamente, o dinheiro não é causa, como parece e aparece, da comunidade, mas antes apenas um efeito desta última.

Tudo já foi dito

Tudo já foi dito? Certamente que não! O "a-dizer" é ilimitado.
Porém, quanto do que se diz de novo vale a pena ser ouvido?

Já se escreveu tanto, e bem, que talvez não seja necessário ler mais nada de novo, sem ter lido antes o que já foi escrito sobre o que interessa (o que não quer dizer que o novo seja impossível).

Bastaria, então, nos limitarmos à fala já bem falada, sem nos preocuparmos com ouvir o que está sendo dito.

Prova de que isto é realmente assim são os professores, que resguardam suas aulas e alunos, como seu feudo privado, apenas para serem ouvidos por alguém.

O eu e o seu

– Que lindo "Beauvais", disse Swann, antes de se sentar, buscando ser amável.
– Ah! Fico contente que você aprecie meu canapé, respondeu a senhora Verdurin.

Curioso o fato de nos sentirmos intimamente louvados, quando alguém faz um elogio a alguma de nossas posses, como se fizesse um elogio diretamente a nós mesmos.

Assim, sentem-se bem, como se deles próprios se tratasse, os donos de animais domésticos que recebem uma palavra de admiração de um passante qualquer. Os pais, quando alguém mostra simpatia por um filho seu.

Prova de que nosso eu se estende para além de nosso corpo e para além daquilo que deriva diretamente dele e como que inunda o que considera ser seu.