Paralelismo alma e corpo

Não podemos falar de um paralelismo entre alma e corpo, simplesmente porque o paralelo é uma categoria só da extensão.

Crise do capitalismo

Vivemos um momento de crise do capitalismo. O que isso quer dizer, porém, não se sabe ao certo. De fato, a expressão 'crise do capitalismo' tem um duplo significado:

(1) 'Crise' pode dizer a decadência ou a transformação do capitalismo. Que o capitalismo está em crise. Que a crise, portanto, é algo que afeta desde fora o capitalismo. Afetando-o e promovendo um movimento ou uma mudança. A crise nesse caso é o sinal de um fora.

(2) O outro significado da mesma expressão diz que a crise, que vivemos, pertence ao capitalismo. A crise, nesse caso, é uma operação do próprio capitalismo. Não significa uma decadência ou transformação do capitalismo, mas um ajuste e talvez um aprofundamento. Nesse caso, a crise é imanente ao capitalismo, crise é sinal de um dentro.

Tendo a compreender a crise atual do capitalismo no segundo sentido.

Vivemos um momento de tensão nas placas tectônicas de formação de nossa subjetividade. Nesse abalo, o capitalismo se aprofunda, penetra mais fundo em nossa matéria. No nosso esforço de compreensão da crise, nos compreendemos cada vez mais como objetos sujeitos ao capitalismo.

As categorias de entendimento que utilizamos, para apreender a crise do capitalismo, são categorias econômicas, disponibilizadas pelas ciências econômicas.

Para entendermos a crise que vivemos, usamos, uma vez mais, e mais proundamente, as categorias econômicas. É, mais uma vez, o pensar econômico, próprio ao capitalismo, que emerge triunfalmente para explicar a crise do capitalismo. O capitalismo explica-se a si mesmo. A crise se explica a partir do próprio capitalismo.

A nossa subjetividade e o nosso governo são pensados com categorias de entendimento econômicas. A grade de inteligibilidade disposta para elaborarmos um discurso sobre nós mesmos, nessa crise, é uma grade econômica.

Não pensamos a crise de governamentalidade a partir de um modo de objetivação, de produção de objetos do entendimento, exterior à lógica econômica, que é a lógica econômica do capitalismo. Explicamos e entendemos a crise a partir das ciências econômicas, pelas quais nos compreendemos a nós mesmos como sujeitos econômicos assujeitados ao capitalismo.

Capitalismo como governamentalidade

O capitalismo é mais do que só um sistema econômico, é uma forma de governamentalidade. Isto é, o capitalismo é a articulação de um modo específico de subjetivação com um modo de assujeitamento correspondente.

O capitalismo se acompanha também do surgimento das ciências econômicas, e transforma-se com elas. As ciências econômicas são o modo de objetivação do capitalismo. Elas disponibilizam os objetos que permitem tanto a prática governamental, como a compreensão que temos de nós mesmos.

No capitalismo, nossa subjetividade, a relação de entendimento e movimento, a relação anímica e corporal, que estabelecemos com nós mesmos, tem sempre uma referência ao capital. E é isso que torna o governo capitalista possível. Estabelecemos a compreensão que temos de nós mesmos numa fábrica, em torno da máquina, na ida ao banco, em torno de um terminal eletrônico, no agros monocultural, em torno da produtividade do transgênico, na leitura do caderno de economia de um cotidiano, em torno dos títulos que indicam os percentuais das taxas de juros.

Compreendemo-nos como sujeitos do mercado e de um mercado do capital. E o governo, por um lado, faz de tudo para favorecer essa auto-compreensão, pois, por outro, é essa auto-compreensão que possibilita as ações de governo.

2009

Em 2009, bons encontros para todos nós.

Fazer bons encontros é encaixar-se favoravelmente. Forma-se, assim, na cidade, um aglomerado de encaixes transfigurador.

Um homem sem passado nem futuro

Se o que fiz é o que me faz ser o que sou, devido à novidade do que faço, sou um homem quase sem passado e, portanto, quase sem ser. Se o que sou é o que ainda posso fazer, devido à proximidade da minha invalidez ou morte, sou um homem quase sem futuro. Não fiz, nem poderei fazer muito, para ser alguma coisa, mas também não sou nada, por isso, sou pura presença. Isso é cortante, mas maravilhoso.

Soterramentos

A memória dos que vivem à sombra dos monumentos, no processo de seu recalque, é encoberta por camadas e camadas de terra e de imagens da monumentalização.

Um soterramento material, dos corpos de sombra sob à terra, se segue a outro, na memória.

Logo nos esquecemos dos soterrados. A nossa memória deles logo é soterrada pelas imagens da reconstrução do monumento e, conseqüentemente, pela reconstrução da sua sombra.

Quando uma parte do monumento soçobra, seus restos encobrem aqueles que vivem à sua sombra. O grito deles, por um momento, sai da sombra e da terra, para logo calar-se, sob a terra, e na memória.

Enquanto a catástrofe não for definitiva, ainda não é aquele ponto da narrativa, que finalmente aponta para o seu desfecho. Por isso, dito propriamente, ainda não é catástrofe. É apenas um ajuste do monumento às suas novas condições e, talvez, um aprofundamento dos seus alicerces, para que possa se erguer mais alto.