Duas imagens ligadas

As relações entre imagens se estabelecem a velocidades altíssimas.
Uma velocidade que dificilmente o discurso verbal acompanha.

Como exemplo, estabeleça a relação entre estas duas imagens:

(1) Sleeping protester at Tahrir Sq. with signs: "people decide for themselves" and "down with the head of the gang" [Reuters].

(2) 16th North, Bruegel, Harvesters, detail of a sleeping peasant.

Agora, fale dela.

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Potência é coisa e coisidade, é real e realidade; potência é coisa e, junto, o que faz a coisa ser o que ela é – sua efetuação.

Afinal o que é [uma] potência? – II

A questão da singularidade da potência: [uma] potência. O artigo indefinido é posto em suspenso. Por quê? Simplesmente por que uma potência envolve o jogo de toda a potência em jogo.


Havíamos dito: – corpo, corpos. Isso para indicar que não podemos suprimir um só corpo sem suprimir todos os corpos. No jogo de um corpo está em jogo o jogo de todos os outros corpos.

Mas um corpo (uma potência) exprime esse jogo de todos os corpos de um modo muito singular, diferente de todos os outros modos. Essa é a singularidade de um corpo. Assim deve ser inteligida a singularidade de uma potência.

Uma potência é assim uma certa determinação da potência toda: [uma] potência.

Da ideia de potência toda, da potência no seu todo, segue-se que ela é infinita. Uma potência, um modo de expressão da potência infinita.

À potência infinita de costume dá-se o nome de Deus.

Afinal o que é [uma] potência?

(O que ser) [uma] potência?

O ser de [uma] potência é [a] posição de [uma] causa. Potência, causa posta.

O conceito de potência está relacionado com o de causalidade. Ou seja, a potência não deve ser compreendida apenas materialmente, mas também intelectualmente e espiritualmente.

Por exemplo, da ideia que define o triângulo segue-se, como um efeito necessário, entre outros, que a soma dos seus três ângulos internos é 180º. Imagino que um ladrão entrou em minha casa, imagino que ele pode me fazer algum mal. Uma ideia posta, seguem-se dela outras ideias. De um conceito, outros conceitos. Mas também de uma imaginação, outras imaginações.

Potência, causa posta e sua efetuação.

E isso não pode nos parecer muito estranho, já que é mais ou menos um consenso que: “de uma causa dada segue-se necessariamente um efeito”.

Atividade da sensibilidade: afinidade eletiva

– Conforme a fome aumenta, aumenta a percetividade olfativa.
 
Percebi isso da seguinte maneira: comprei pão e o deixei num canto do quarto. Fiquei entretido lendo. Algumas horas depois, o cheiro do pão ficou extremamente perceptível. Estava com fome.

Entre outras coisas, esta experiência indica que a sensibilidade não é algo que remeta apenas à passividade. Há uma espécie de atividade na percepção do sensível – uma afinidade eletiva.

Meu corpo sente o pão mais intensamente quando ele deseja comer. 

A sensação de um corpo por outro tem como condição uma comunidade dos dois corpos: essa comunidade é a afinidade. Que um corpo ative ou não sua sensação de outro corpo, isso remete à eleição. Por isso digo que a atividade da sensibilidade é uma afinidade eletiva. (Fora da discussão fica a ideia da consciência, da vontade e de tudo que se entenda como anterior ou exterior à relação dos corpos.)

Corpo, corpos

– Para perceber meu corpo preciso perceber outros corpos.

Então, você logo pensa: corpo, corpo humano, corpo vivo.

– Mas não digo primeiro que o corpo vive. O que vai junto com o corpo é a existência: o corpo existe.

Mas, e a fome? A fome não indica a existência do corpo sem indicar a existência de outros corpos?

– É verdade. Na minha primeira afirmação se misturam dois planos: o dos corpos com o das percepções. Se retiro o plano da percepção (e então a fome vai embora junto com ele), minha proposição fica assim: “[um] corpo, [outros] corpos”.

Ora, então, você pensa que deixei de lado o “meu”, e com ele o “eu”.

– Não. Por isso lá está, mesmo que um pouco suspenso, o [um]. A proposição indica que a posição de [um] corpo implica a de todos os [outros] corpos. 

C -> CC

Suprimido-se este [um] corpo, todos os [outros] corpos são suprimidos junto.

Mecanismos afetivos XI – a saudade alegre

A saudade envolve a tristeza, mas, é verdade, nem sempre. 

Pode dar-se uma saudade alegre, como uma alegria cuja causa atribuímos a alguém que sentimos quase como presente. Quer dizer, as ideias que suprimem esta presença não são assim tão fortes para suprimi-la completamente.

A saudade alegre é um amor por alguém que imaginamos quase como presente.

Mecanismos afetivos X – a saudade

A saudade é um afeto que envolve tristeza e desejo.

Como sentimento da falta de algo que imaginamos nos alegrar, de algo que amamos, a saudade é uma tristeza. Quer dizer, a saudade não é exatamente o sentimento de uma falta, porque não podemos realmente sentir a falta mesma, mas o sentimento de uma despontencialização do desejo. 

Essa tristeza causa o desejo pelo que imaginamos estar faltando, que realmente é um desejo de reconstituição da potência.

Assim, a saudade, além de tristeza, é uma espécie de desejo pelo que falta (desiderium, no latim, longing, no inglês) – mas ao desejo mesmo, primordialmente, nada falta; se algo faltasse ao desejo, o desejo seria uma impotência.

Nesta intelecção do desejo, então, a saudade, e qualquer outra espécie de desejo pelo que falta, não é desejo (desiderium non cupiditas), mas determinação do desejo, e somente nesse sentido desejo (desiderium est cupiditas).

Amor pela cidade II

O amor pela cidade, vimos, é uma espécie do amor de si, enquanto o si, como diferente, está junto a outros diferentes na cidade das diferenças. Mas, num certo sentido de Deus, enquanto um que é múltiplo (ver abaixo a figura extraída do diagrama da carta 12 da correspondência de Spinoza), o amor pela cidade é também uma espécie do amor por Deus.

A revolução

De um momento para o outro, para não dizer de repente, tudo isso que ainda está presente toma definitivamente a cor e o sabor de um passado absoluto. Esta é a hora da revolução.
 
É o que diziam alguns marxistas, mas para impedir o gesto de bravura que temiam ser uma precipitação. 

Porém, como sentir o verdadeiro, quando nos enganamos no sentimento? Mesmo sabendo que o sol está a milhões de quilômetros, ainda o imaginamos como se estivesse a 200 pés. O sentimento, a imagem, mesmo a que nos engana, em si mesma, é real.

Era àquele sentimento, o de que uma coisa já não se sustenta, também, que se referia Nietzsche, acerca da decadência retida das instituições eclesiásticas (das igrejas e da experiência humana que as instituíam). Deus estava morto e as igrejas, num descompasso, de pé.

Insistência na ausência

Quanto a isso, amigo, o que posso te dizer, senão que pensarei em ti, e falarei ao vento, a cada dia, provavelmente, durante um ano inteiro?

Diagrama da carta 12 de Spinoza sobre o infinito

Amor pela cidade

Amar a cidade, isto é, tomar a cidade como causa da sua alegria, num certo sentido de cidade, quer dizer amar a diferença. Como, ao mesmo tempo que ama a cidade, aquele que a ama se experiencia, a si próprio, na cidade, como diferente, então, amar a cidade é uma espécie de amor de si.

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Uma existência real percebida por trás de uma vidraça, sob certas condições das luzes, pode ser inadvertidamente tomada como um reflexo, uma simples aparência, uma imagem refletida irreal.

Correspondência


Diagrama das fontes da correspondência de Spinoza, conforme:

ROVERE, Maxime. Présentation et notes. In: SPINOZA, Benedictus de. Correspondance. Paris: GF Flammarion, 2010. P. 42.

desejo / potência

Se o desejo fosse a falta de algo, o desejo seria uma espécie de impotência.

A causa da imaginação

Uma potência não se limita a si mesma. Na limitação de sua ilimitação necessariamente uma potência encontra coisas. Diz-se então que ela imagina.