Isso ainda é


De algum modo isso ainda é, ou porta um sentido do ser:

– O ser de um sonho, cuja recordação nos escapa ao acordarmos.


Tudo é questão de método XII


Não deixam de ser filosóficas as vias ilusórias do pensar-agir. Então, a filosofia não diz respeito exclusivamente à verdade.

Essa suspensão filosófica da pretensão da verdade não é o fracasso da filosofia – pelo contrário, ela fracassa, quando se crê na sua verdade –, mas a afirmação da sua potência criativa.


Tudo é questão de método – XI

Impressiona que, para alcançarmos certas melhorias, no uso da vida, perante à experiência, precisemos adotar perspectivas ilusórias. A via da verdade, aí, muitas vezes, é improdutiva.


Idealismo, idealização

Compreender o idealismo como idealização. Perceber o vínculo íntimo entre um e outro.

O idealismo não ocorre somente na negação da real natureza do mundo (na afirmação da soberania da ideia), mas também na sua denegação (na suspensão-aufhäbung da natureza por meio do contrato): – “criar asas” e escapar da realidade do mundo, colocando o ser do mundo em suspenso, e suspendendo-se em uma fantasia ideal: o jurídico.




Conferir: DELEUZE, Gilles. Sacher-Masoch: o frio e o cruel. Trad. Jorge Bastos. Rio de Janeiro: Zahar, 2009 [1967]. P. 34 - 35.


“Tudo é questão de método” X

Método ou, com outras palavras, tudo é questão de disciplina.

Na disciplina, logo surgem dois aspectos: o tempo e o corpo.

Trata-se de disciplinar o tempo: dividir o movimento, descontinuar ou modular o contínuo, e rearticulá-lo em módulos e séries mais eficazes.

Trata-se de disciplinar o corpo: individualizá-lo, contê-lo, formá-lo, tratá-lo como outro, e fazê-lo obedecer docilmente.

Tudo é questão de disciplina quando se visa à maior produção, em uma disposição de superação-do-atual. A produção é um fazer. E a capacidade de fazer é a verdadeira liberdade.

Mas a liberdade, lembre-se, precisa estar rigorosamente separada de qualquer ideia ou sentimento de obediência.

Assim, na disciplina do tempo e do corpo, é preciso ter como meta ideal a liberdade do espírito.


Timbre filosófico II – a filosofia como instrumento de composição

Esses harmônicos dissonantes de um timbre filosófico nos encantam. Infelizmente, às vezes, nos enfeitiçam. Apegados, só sabemos, então, cantarolar desse jeito: investigando o prazer e a dor das harmonias e das dissonâncias, presos às proximidades notáveis.


Timbre filosófico


Em uma determinada linha instrumental de composição, num certo timbre discursivo, como por exemplo na fenomenologia, vibram diferentes sonoridades, às vezes, apesar do seu estar juntas, dissonantes.



Disposição índia XI – a mansuetude

Um ambiente hostil, uma grande adversidade por parte dos outros citadinos, um elevado grau de rivalidade e de competitividade, isso é o que a disposição superação-de-si-mesmo requer como condição. Sem isso, nada.

Oposição, disputa, ataques, ameaças. Uma intensa luta pela sobrevivência e para a afirmação de si. Ainda assim, tudo deve se passar nos limites da cordialidade, senão da amizade. A um passo da guerra civil deflagrada.

Só na mansidão, na condição própria aos deuses epicureus, a verdadeira mansuetude pode ser habitual. Deixar tudo como está, na circulação dos nutrientes, dos prazeres. Nada há aqui, à volta ou por dentro, que incomode. A ponto de a própria ideia de si tornar-se supérflua, inútil.


Disposição índia X – o que nos é permitido esperar (dos bárbaros)?

A ideia de uma filosofia bárbara (não a selvagem, que funda os alicerces dos muros da cidade, não a rebelde, que atravessa muros ou os põe abaixo) envolve uma contradição em seus próprios termos? Possivelmente.

Quiasma: língua_pensamento VII

Sempre que um filósofo utiliza-se de expressões como: “por assim dizer”, “na ausência de palavras”, ou quando – o que dá no mesmo – lança mão de neologismos, ele pressupõe, ou sinaliza, a existência (muito questionável, aliás) de um conteúdo de pensamento distinto das teias das formulações linguísticas.


©

O conceito de nexus é dreyfus(-foucault)iano: “Enfim, as práticas que contêm uma interpretação do que é uma pessoa, um objeto e uma sociedade ajustam-se e encaixam-se umas às outras (fit together)”*.

Pessoa – sujeito, ética e experiência. Objeto – verdade, ontologia e pensamento. Sociedade – poder, política e governamentalidade.




(*) DREYFUS, Hubert L.. Being-in-the-world: A Commentary on Heidegger’s Being and Time, division I. Massachusetts : MIT, 1991. P. 18.

Perdoem-me um pouco de tagarelice...

Talvez Heidegger escape à interpretação de Dreyfus justamente quando ele recorre, para ilustrar a ideia de uma pré-ontologia, às ciências (psicologia e sociologia)*, que pretendem objetivar o inobjetivável.

A meu ver, aquela ontologia (auto-interpretação do ser) não é sequer ainda determinada socialmente. Ela funciona como um horizonte que precede – absolutamente – toda objetivação.

Logo adiante, Dreyfus procura corrigir-se**.






(*) DREYFUS, Hubert L.. Being-in-the-world: A Commentary on Heidegger’s Being and Time, division I. Massachusetts : MIT, 1991. P. 17.

(**) Conferir: ibid, P. 19.

Nexus IV

Para a revalidação daquele (esquecido!) conceito de nexus e de seus elementos (verdade, poder e sujeito), conceito que é sempre encoberto pelo que, na aparência, vem antes dele (uma ontologia, uma política e uma ética-como-prática-refletida-de-si) – embora não haja, de fato, a anterioridade dos elementos em relação ao nexus, mas correlação imediata) –, temos o texto de Dreyfus, um leitor de Foucault, na interpretação que propõe de Heidegger.

Dreyfus escreve: “nossas práticas sociais incorporam uma ontologia”*, ontologia que (e aqui ele recorre a Bourdieu) produz um habitus corporal e “uma certa experiência subjetiva”** de interpretação do ser.

Esta experiência subjetiva é posição, sem que nos importe onde ela se inicia, se no mundo ou se no sujeito. Por assim dizer, na ausência de melhores palavras, é a experiência-pensamento que vem antes.





(*) DREYFUS, Hubert L. Being-in-the-world: A Commentary on Heidegger’s Being and Time, division I. Massachusetts : MIT, 1991. P. 16.

(**) Ibid. P. 17.

Disposição índia VIII – A superação e o trabalho

A superação-de-si exige o trabalho. O trabalho exige a consciência. Cada vez mais.

Difícil, porque a superação-de-si é justamente a dissolução de uma consciência.

A consciência é sempre consciência disso.

A consciência reduzida é nisso, a disposição índia.



Do preconceito ao conceito

De um preconceito...
O domínio universal do real pode ser dividido em dois reinos: coisas naturais e coisas de valor, tendo sempre as coisas de valor, enquanto substrato do seu ser, o ser como uma coisa natural. [E ele dá, até, um exemplo do preconceito:] O ser próprio da mesa é: coisa material no espaço.*
...podemos derivar um conceito – o sujeito é isso que tem um valor para si (ser coisa de valor) que se confunde com o seu modo de ser (ser coisa natural).

Partindo de um início equivocado, podemos sair do equívoco (sujeito, isso)?






(*) HEIDEGGER, Martin. Ontologia: Hermenêutica da Faticidade. Trad. Renato Kirchner. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2013 [1923]. P. 94.

Disposição índia VII

Não haveria filosofia em disposição índia!

A disposição índia, defende-se, seria a existente nas sociedades arcaicas.

A disposição índia seria caracterizada, nessa opinião, pela sua “incapacidade de gerar excedentes”*, isto é, de superar suas condições naturais. Viver-se-ia à mercê da fortuna, sempre aquém, na falta.

Nesse disposição, a gente subsistiria na precariedade. Além disso, associada a essa condição de subsistência, constata-se a ausência da escrita (sinal da ausência de um pensamento arquivado, questionado e sistematizado: condição da filosofia).

Nessa condição: seria impossível o livre-pensar!

Mas, e se, pelo contrário, na disposição índia, vivesse-se na abundância e, no consequente, dispêndio**?





(*) Conferir: CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado: pesquisas de antropologia política. Trad. Theo Santiago. São Paulo: Cosac Naify, 2012 [1974]. Cap. 1. Copérnico e os selvagens. P. 29-30.

(**) Além de Clastres, conferir: MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2013 [1925]. P. 118.

Pastagens II – Disposição índia VI

A partir de Pastagens, a filosofia parece sempre ligada à disposição superação-de-si.

Primeiro, num movimento de redução do commons à enclosure (das pastagens abertas e contínuas ao domínio descontínuo, apropriado e protegido) (do comum-infinito ao domínio encerrado de um conceito-ideia). – Para Platão, pensar é antes de tudo separar, filosofar é antes de tudo reconhecer o contorno de um conhecimento distinto de outro*. Ao encontro do limite. Invenção do dentro-fora.

Depois, de encontro ao limite, de dentro para fora, a filosofia precisa pensar a transgressão (Bataille) para se tornar propriamente superação (Nietzsche).

Por isso, a opinião corrente de que não haja uma filosofia índia.







(*) RICOEUR, Paul. Être, essence et substance chez Platon et Aristote: Cours professé à l’Université de Strasbourg en 1953-1954. Paris: Seuil, 2011 [1954]. P. 35.