Disposição índia XVI


“Trabalhar [o] menos [possível] e determinar suas próprias necessidades e satisfações”* – esse é o lema da disposição índia e do singular heterogêneo fora da massa.






(*) MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. Trad. Álvaro Cabral. 8 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999 [1955]. P. 99. Com intervenções...


O Pai ou o Leão?


De um jeito ou de outro, a obediência às ordens imperiais constitui a essência do império (Spinoza):
O poder do imperadores não está contido apenas nisso – poder coagir os humanos por medo –, mas em tudo isso absolutamente que eles possam fazer para que os humanos se submetam (obsequantur) ao mandatos dos imperadores*.
Assim, todo império será uma manifestação do Pai primevo (Freud) ou do Leão que proclamou a ordem primeva (fuja! – fugir é obedecer à ordem primeva para não morrer) (Canetti)?



(*) SPINOZA, Benedictus de. Oeuvres III: Traité théologico-politique. Paris: PUF, 2009 [1670]. XVII, §2. P. 537. Tradução livre.


Ex labore proclives ad libidinem


“Para fora do labor, os humanos inclinam-se ao prazer”*.

Em Spinoza, esta fórmula latina não é uma máxima com finalidade moralista, mas uma descrição da verdade efetiva.

O labor é a quantidade de energia ligada ao esforço que cada um faz para a conservação do império, enquanto parte componente – isto é, enquanto parte de um determinado regime de relações de poder que garantem uma determinada distribuição dos bens produzidos em comum.

A fórmula latina manifesta que o labor e, por conseguinte, o império se contrapõem ao prazer... e os humanos, por natureza, tendem ao prazer e a se afastarem do labor, à medida que o labor e o que dele resulta, a conservação do império, resultem em dor.

A grande maioria das formas imperiais (sobretudo as mais hierárquicas, que propiciam uma desigualdade acentuada na distribuições dos bens e, portanto, dos prazeres) são regimes de dor, que envolvem, na sua constituição e na sua manutenção, o labor dolorido.

Inclinar-se naturalmente ao prazer – na preguiça ou na libertinagem –, nessas situações, é o princípio do não-agir ou do agir-não, pelo qual se expressa a resistência natural das partes aos regimes imperiais.






SPINOZA, Benedictus de. Oeuvres III: Traité théologico-politique. Paris: PUF, 2009 [1670]. XVII, §4. P. 541. Livre-tradução.


Dois modos de ser “os muitos”


Entre o homogêneo e o heterogêneo, se podemos distinguir uma política de massa de uma política de multidão, também podemos distinguir uma cultura de massa de uma cultura de multidão.


177


Toda fotografia é fotografia de um existente.
Mas, o que seria do existente, numa inversão,
se só fosse existente o que pudesse ser fotografado?


Se nossos problemas são comuns, também precisamos de soluções comuns


Nossos problemas são comuns. Isso quer dizer pelo menos duas coisas:

(1) Os problemas que nós individualmente temos não são parciais, mas comuns a outras partes, que compõem conosco o que nos é comum. Os problemas que eu experimento, outras partes do comum também experimentam. Nossos problemas são comuns nesse sentido.

(2) Somos individualmente partes em relação com outras partes. Nossos problemas parciais são problemas nessa relação comum. Nossos problemas são comuns também nesse sentido.

Na solução dos problemas, os neoliberais defendem que a solução seja parcial, que cada parte resolva por e para si os seus problemas (de saúde, de educação, de segurança, de desemprego e pobreza, por exemplo). No entanto, a atitude parcial enfraquece o comum, o tecido de relações que constituem a totalidade aberta de que somos partes. E o enfraquecimento do comum, ao invés de diminuir, só aumenta nossos problemas, que são comuns.

Os republicanos, por sua vez, entendem que cabe ao estado resolver nossos problemas comuns (de saúde, de educação etc.). As partes devem apenas se entregar aos seus cuidados, como partes governadas. No entanto, isto enfraquece a relação entres as partes, comprometendo a constituição do tecido comum. O estado não é o comum, mas uma parte que deseja dirigir o comum, como totalidade fechada.

A solução dos nossos problemas, que são comuns e não parciais, precisa ser produzida em comum, com a intensificação da participação das partes, democraticamente, isto é, racionalmente, na superação das perspectivas parciais, numa abordagem comum.

Se nossos problemas são comuns, as suas soluções também precisam ser comuns nos dois sentidos destacados acima.