Maioria mínima

Problema da maioria simples: por exemplo, 50,5% contra 49,5% dos votantes; digamos, com uma “pequena” abstenção de 20%. Uma minoria, aí, decide.


Luta pelo reconhecimento


Certamente: há aí um desejo... mas quanto não há, nesse desejo, de dominado (de não livre, de determinado pelo outro, de alterius juris)? quanto não há de despojamento do direito, nessa luta por direitos? Quanto não há, na luta pelo reconhecimento, de desejo de ser [bem-]dominado?




Salus


Bartleby, postado ante a janela que se abre para uma parede cega de um outro prédio. A 2 ou 3 metros do seu nariz. E, a uma altura praticamente infinita. Diante do muro. Perceber (enfatizar, ou poduzir) distinções.


Extrema lucidez e alucinação


A extrema lucidez afinal não enxerga as sombras que a sua luz intensa projeta (historicamente). A sua luz, que há, sobra por sobre as sombras. Isso é a alucinação.



Incertitude jurídica e alucinação: Kafka


As leis de natureza são por natureza fixas. As leis jurídicas (que querem imitá-las no crédito), porém, sofrem em nosso momento de uma instabilidade alucinante. Como a maré, entram em vigor, e em seguida se retiram, para voltar no instante. Então, como ficamos? De tal maneira que já não sabemos o que está juridicamente vigente e o que não está. Sem lei, com lei. Ou com lei, sem lei?




A massa vem depois III - a “autêntica” filosofia


Vejamos o exemplo de OyG, na sua crítica ao “hombre-masa”.

“la masa... necessita referir su vida a la instancia superior, constituida por las minorias excelentes [...] los hombres excelentes [...] sin ellos [...] la humanidad no existiria en lo que tiene de más essencial [...] El día que vuelva a imperar en Europa una auténtica filosofía – única coisa que puede salvarla – se volverá a caer en la cuenta de que el hombre es, tenga de ello ganas o no, un ser constitutivamente forzado a buscar una instancia superior”.
ORTEGA Y GASSET, José. La Rebelión de las Masas.: 1936. P. 82.

A massa vem depois II


...Assim, alguns dos críticos da massa inclinaram-se para líderes supostamente enobrecidos. Com o desejo de evitar a massa, desviaram-se para o lado da sua causa: os nazismos, os fascismos, os personalismos, as ditaduras, os regimes de heróis virtuosos... (como, em pista viciada de boliche, as bolas, para a canaleta).

Foucault já nos alertara sobre isso, inclusive a respeito de críticos do capitalismo, na ideia de que “o capitalismo produz a massa” [...] “Vocês encontram em Sombart [o sociólogo do primeiro nazismo]  de fato, desde os anos 1900, esta crítica que vocês bem conhecem e que se tornou, hoje em dia, um dos lugares-comuns de um pensamento do qual não sabemos ao certo qual é a articulação e a ossatura, crítica da sociedade de massa, sociedade do homem unidimensional, sociedade da autoridade, sociedade de consumo, sociedade do espetáculo etc. É isso o que dizia Sombart. É disso que os nazistas se apropriaram...”*




(*) FOUCAULT, Michel. Naissance de la biopolitique: Cours au Collège de France, 1978-1979. Paris: Seuil/Gallimard, 2004 [1979]. P. 117.

A massa vem depois


A crítica à massa funciona mais ou menos assim:

– A massa é indolente, inobediente, quer governar, mas não se governa. Ela precisa da liderança do nobre (do ser humano destacado) para governá-la, para que se mantenham as medidas, e ela chegue a algum lugar.

No entanto, essa crítica toma o efeito pela causa, pois é a liderança, a dominação, que produz a massa e não o contrário.

Isso é o que nos diz Freud, se o lermos com atenção (isto é, com tempo): “...ele [o líder] os compeliu, por assim dizer, à psicologia da massa. Seus ciúmes sexuais e sua intolerância vieram a ser, em última análise, as causas da psicologia da massa”*. O líder é a causa da massa, não o efeito. A massa vem depois.





(*) FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e análise do eu [1921]. Trad. Paulo César Lima de Souza. In: Psicologia das massas e análise do eu e outros textos. Obras completas. Vol. 15 (1920-1923). São Paulo: Companhia das Letras, 2011. P. 87.



Disposição índia XIV, ainda OyG


Frequentemente, a plebe é alvo de um preconceito: dizem-lhe massa: ela é não mais que plebe ou o desejo de cada um de levar a vida ex suo ingenio.

A massa enquanto massa (homogênea, impensante, imbecil, recessiva) provavelmente existe, mas temos de prestar atenção no que dizem aqueles que se atacam à massa. Não estariam, na verdade, atacando a plebe, na defesa da nobreza hierárquica, contra os exercícios democráticos?

Ortega y Gasset, em seu “livro lúcido”*, por exemplo, fala mal do “hombre-masa”: “el hombre vulgar, [que] antes dirigido, ha resuelto gobernar el mundo”...

E, logo em seguida, para mostrar que a vida fácil, a vida de gozo, a disposição índia, leva a “su irremediable degeneración”, ele escreve [segurem o estômago, Calibãs!]:

Así, para referirme a una dimensión muy concreta de la vida corporal, recordaré que la espécie humana ha brotado en zonas del planeta donde la estación caliente quedaba compensada por una estación de frío intenso. En los trópicos el animal hombre degenera, y vice versa, las razas inferiores – por exemplo, los pigmeos – han sido empujadas hacia los trópicos por razas nacidas después que ellas y superiores en la escala de evolución”** .





(*) HUISMAN, Denis. Dicionário de obras filosóficas. Trad. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2002 [1993]. P. 475.

(**) ORTEGA Y GASSET, José. La Rebelión de las Masas: 1936. P. 71 - 74.

Ética da excelência e ética da diferença


Tomamos a ética [por um momento] como processo de individuação. E a individuação, como relação a grupo. Na individuação, o singular destaca-se. Mas a relação a grupo pode ser de dois tipos (indicados por preposições diferentes).

Na ética da excelência, o singular destaca-se no grupo. É o mesmo, mas destaca-se como o melhor do mesmo. Virtude como excelência. Entre os músicos, o bom músico (o bom tocador de lira...). Entre um grupo de humanos, trata-se de ser o melhor entre eles, o excelente.

Na ética da diferença, o singular destaca-se do grupo. É o outro, destaca-se pela diferença em relação ao grupo do qual emerge. Entre um grupo de humanos, trata-se de outro modo de ser, de não mais fazer parte deste grupo.Virtude como diferença.







Escuridão



[luzes/visão][está difícil pensar][as poucas palavras saem como bolhas de ar desde a profundeza][seguir em f...]


Ontologia política


O nosso regime ontológico[-ético]-político[-econômico] goza (sem silêncio), quando afirmamos que o nosso grande problema é a corrupção sistêmica dos políticos.

Ontologia aqui é a história da constituição do sistema dos nossos modos de ser.


Político-psicanálise V: – o nosso grande problema: a corrupção?


Certa relação de causa sistêmica a efeito de superfície funciona desse jeito: se eliminamos um efeito, a causa produz, repete, o efeito seguinte numa série indefinida. Um efeito deixa de ser, outro, outros ocupam seu lugar.

O nosso problema político, portanto, não é a corrupção, não é uma questão moral, de fraqueza moral dos políticos profissionais. Tomar a corrupção como o nosso problema por excelência encobre a realidade do real político. Toma o efeito pela causa.

A corrupção é apenas um dos derivados, e não o mais importante, do regime dos modos de ser, do modo de funcionamento do ser político historicamente constituído, da nossa ontologia política, da história da constituição dos nossos modos de ser politicamente entre os outros.

Nosso atoleiro, nossa repetição compulsiva, isso em que ainda nos eternizamos, ainda é a escravidão – ou seja, um tipo de relação política de produção. Uma fixação histórica. Na repetição, o tempo não passa.







Ética como individuação e o grupo



Pensar (por um momento) a ética como processo de individuação. 

A ética, ainda assim, pode remeter ao grupo. A individuação é um processo de singularização. O indivíduo que se singulariza, a partir de uma elaboração, de um aperfeiçoamento, de um trabalho que efetua sobre si mesmo, é alguém que faz de si um indivíduo singular, destacando-se de um grupo. Mas destacar-se de um grupo de pertença, fazer de si mesmo um indivíduo de destaque, alguém de destacado, pode ter como finalidade o ingresso em um outro grupo, que é um grupo seleto. Isso quer dizer um grupo escolhido.




20 centavos bastam, por um momento



A favor dessa colocação, noto que a minha relação ergonômica a objetos transformou-se desde que eu deixei crescer, apenas 2 ou 3 mm além do habitual, as unhas dos dedos da mão direita (salvo a do mindinho). Com isso, apresentou-se também uma leve mudança em minha disposição mental (estado, capacidade afetiva, personalidade, engenho).



Disposição índia XIII – OyG


Ao ler Ortega y Gasset* (parecem dois, mas se trata de um só), quando ele fala do vulgo e do nobre, não posso me impedir de lembrar daquelas duas disposições que eu havia mencionado, a disposição índia e a disposição superação-de-si.

Mas a orientação de OyG, a maneira com que OyG passeia pelo mundo dividido em dois, é exatamente adversa à minha. OyG condena peremptoriamente, em nome do que é nobre, o vulgo, o selvagem, que para ele é igual ao bárbaro, como um perigo vital. Aí novamente a vida... e, portanto, a biopolítica.

E mais, a diferença entre o nobre e o humano vulgar, para ele, é uma questão moral. O nobre reconhece e assume o esforço necessário para superar a si mesmo. O vulgo, indolente, vive sem esforço; apenas usufrui dos frutos do esforço civilizatório.

“Um livro lúcido”, assim alguém julgou esse ensaio de OyG. Não me parece, no entanto, que haja lucidez ali, mas uma arraigada impossibilidade de enxergar o que estava acontecendo, porque preconceituosa. O preconceito é indesculpável no pensador, pois no preconceito deixa-se de pensar.

(*) ORTEGA Y GASSET, José. La Rebelión de las Masas. 1936.

Disposição índia XIIXIXIXVIIIVIIVIVIVIIIIII