Perdemos todos os nossos guias!


Sem guias, sentimo-nos perdidos? Atenção, pois será uma perdição ainda maior clamar por um líder! O perigo não é viver perdido, mas não saber viver sem um guia.

Leiamos o que escreveu, em 1931, o jornalista Hans Zehrer, fundador do Círculo Tat (Tatkreis) de intelectuais e outras pessoas da classe média alemã:
O anseio por este indivíduo [o líder, der Führer] está latente no povo há mais de uma década. Nós não queremos nos iludir: no momento em que a primeira palavra de comando severa, mas justa, de uma vontade realmente pessoal atingir o povo alemão, as pessoas entrarão em formação e cerrarão fileiras [...] e este respirará aliviado, pois saberá novamente para onde está indo.
H. Z. apud KRACAUER, Siegfried. O ornamento da massa. Trad. Carlos Eduardo Jordão Machado, Marlene Holzhausen. São Paulo: Cosac Naify, 2009. P. 132.



A era da pós-verdade e as imagens


A noção de pós-verdade pressupõe uma certa concepção de verdade: a concepção científica da verdade objetiva, em que o objeto é o ob-jeto, separado, vivo-morto.

A era da pós-verdade, na verdade, quer dizer: a era da pós-verdade-objetiva, em que restam apenas imagens. Ninguém dispõe, ao modo da verdade científica, das naturezas dos objetos separadamente das suas próprias naturezas e portanto dos seus desejos.

Na era da pós-verdade, ninguém dispõe da verdade, ou se interessa por ela, mas alguns controlam as imagens.

Esse controle pode indicar uma situação de dominação extrema, que chega até o controle das ideias imaginativas, ao controle das opiniões, da imaginação... a hegemonia...

Mas nem tudo está perdido:
Se fosse tão fácil imperar sobre as almas como [é imperar] sobre as línguas [censurando-as], cada um [dos imperadores] reinaria em segurança, e não haveria qualquer império violento. Com efeito, cada um viveria segundo o engenho dos imperadores e apenas segundo o seu decreto julgaria do verdadeiro e do falso, do bom e do mau, do justo e do injusto. Mas isso é impossível, que o ânimo de alguém esteja absolutamente sob o domínio de outrem!*
Nesse caso: a violência dos impérios aparece como índice das resistências, não exatamente como um mal.





(*) SPINOZA, Benedictus de. Oeuvres III: Traité théologico-politique. Paris: PUF, 2009 [1670]. XX, §1. P. 632. Livre-tradução. Grifo meu.


Ratio VIII


Nós redefinimos a razão pela liberdade, propositalmente, pois a razão também se definiu historicamente pela subjugação da natureza externa e interna:
A luta começa com a perpétua conquista interna das faculdades “inferiores” do indivíduo: as suas faculdades sensuais e apetitivas. A sua subjugação é considerada, pelo menos desde Platão, um elemento constitutivo da razão humana, a qual é, assim, repressiva em sua própria função. A luta culmina na conquista da natureza externa [...].*

Isso nos coloca então em presença de uma má razão e de uma razão boa ou, em outros termos, de uma razão parcial e de uma razão comum?







(*) MARCUSE, Herbert. Eros e civilização: Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Trad. Álvaro Cabral. 8 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999 [1955]. P. 107.



Imagem e objeto


Duração
ou vida
ou potência imaginativa
ou imagens.
A imagem é o não separado.
O objeto não é uma imagem.


Vida e morte dos objetos da ciência


A ciência cria seus próprios objetos, separando-os do fluxo contínuo da vida (a “duração”). Essa separação é a condição da estabilidade desses objetos. Estabilidade que, por sua vez, é um critério científico – é preciso que o ob-jeto da ciência separe-se do sujeito que o conhece, numa oposição, num jazer diante. Na sua permanência, na sua repetição requerida, o objeto científico está separado da vida, isto é, morto. Só assim ele pode se repetir para todo e qualquer sujeito a que se oponha. Na forma de conhecimento científica, os objetos emergem da imersão não objetiva. Eles vêm à luz, separando-se da vida contínua, interligada, do real. A ciência dá à luz seus objetos e, ao mesmo tempo, num certo sentido, os mata. A separação do objeto (em relação à realidade viva – ou natureza – e em relação ao sujeito) é a condição de possibilidade de sua manipulação e dominação.



Ou é polícia, ou é ladrão!


Naquela brincadeira de crianças, só há dois modos de ser: ou se é polícia, ou ladrão. Entramos nessa brincadeira?