Corpo individual: uma extensão, uma forma, uma intensão

Sejam K, L e M as partes de um corpo individual C.

C não é uma simples justaposição de K, L, M. Ou, pelo menos, não pode ser dito um corpo individual vivo, enquanto mera justaposição daquelas partes. C ≠ K + L + M.

Um corpo é dito vivo, na medida em que é animado, isto é, na medida em que podemos percebê-lo como uma aquela dobra, como um aquele giro, pelo qual singularmente vem a ser e pelo qual singularmente persiste na existência – na medida em que demonstra e expressa potência.

C pode ser dito um corpo individual apenas na medida em que K, L e M estabeleçam entre si uma certa relação contínua – essa relação é a forma de C.

A forma de C é a relação mutuamente estabelecida entre as suas partes e, conjuntamente, a regulação de fluxo pela qual estas suas partes comunicam entre si as suas variações de movimento, de modo a que aquela relação entre as suas partes permaneça atuante.

Para que C dure como indivíduo, as suas partes, K, L e M, não precisam estar fixas. Dentro de uma certa extensão, elas podem variar, desde que aquela relação mutua, a sua forma, seja mantida, afirmada.

Sejam {K1, K2, K3, ...} os estados variáveis de K, enquanto componíveis, de alguma maneira, com os estados {L1, L2, L3, ...} e {M1, M2, M3, ...}, de modo a que a forma de C seja mantida.

Podemos inteligir um certo C que possa dispensar, num determinado estado seu, uma de suas partes, e ainda assim continuar vivo, talvez com menor afirmação. C seria ainda C, sem sua parte M, num determinado estado, (K124,  M124), desde que a relação entre K124 e M124 ainda seja a mesma do que aquela em jogo em (K1, L1, M1), por exemplo. Podemos ainda inteligir um certo C apto a incorporar partes suplementares, sempre mantida a sua forma.

Da maneira mais geral possível, nas variações de suas partes e estados, C é o mesmo indivíduo vivo enquanto a sua forma (a relação singular certa entre as partes de C) se mantenha. 

C tem uma extensão que compreende as suas múltiplas variações possíveis.
C={(K1, L1, M1), (K2, L2, M2), (K3, L3, M3), ..., (K124, M124), ..., (K457, L457, M457, N457), ...}
A potência de um corpo individual C é a intensidade pela qual a sua forma é afirmada. Os estados de C, na sua extensão, afirmam sua forma mais ou menos intensamente. Quanto mais intensamente a relação entre as partes K, L e M é afirmada, mais o corpo C tem de potência.

Os diversos estados de C têm intensões diferentes.

Resumindo, um corpo individual vivo, uma individualidade, envolve três traços: uma extensão, uma forma e uma intensão.

Extensão e intensão variam, a forma permanece. Por isso, a forma é o índice de identidade do indivíduo. Porém, note-se o seguinte.

Uma mera extensão não tem forma porque não tem intensão.
A intensão é impensável sem uma forma extensa.
Uma forma não vive sem uma extensão intensa.

Observe-se ainda que a vida do corpo individual não se compreende aqui biologicamente, mas como simples duração.

4 comentários:

Elizias disse...

caro leon, gostei do seu raciocíneo, embora a duração não seja tão simples assim... mas, não sei se compreendi a conclusão.

ora, o "corpo individual" não se compreende biologicamente, quer dizer, ele não se reduz à isto, mas pode ele prescindir do biológico? "a intensão é impensável sem a forma extensa", não é isto?

sobre as relações da extensão, suponhamos que num dado momento k se desvincule das outras partes, não me parece que necessariamente a vida se esgotará (sauf si: k fosse o cérebro, ou algum outro órgão vital), talvez apenas se mude a intensão, mas nem sempre, como no caso do membro fantasma. aqui parece que a forma insiste em permanecer...
ou fiz mal em associar as partes ao órgãos?

enfim, este assunto muito me interessa, adoraria prolongações!
merci!

Leon disse...

cara feiticeira-borboleta,

se o corpo individual pode prescindir do biológico? sim. uma pedra é um corpo individual. um carro. um piano. uma bola de neve. um violino e um violinista formam corpo, enquanto se juntam, na medida em que suas naturezas ou potências convêem.

na medida em que o violino, em alguma medida, afirma sua existência (na duração), tem uma intensão, uma potência (que associada à potência de um músico é ainda mais potente, capaz de maior efetividade)

um corpo individual existente na duração tem uma extensão variável; no caso de um humano, pode perder uma mão e continuar sendo o mesmo indivíduo (embora com menos intensidade), mas se perder o cérebro... bueno, pode se tornar um outro indivíduo, mudando de forma...

a continuidade da vida biológica não garante necessariamente a individualidade. um corpo humano em estado vegetativo, talvez já tenha trocado a sua forma...

Elizias disse...

ops! eu não havia entendido que suas respostas que eu recebia por e-mail, figuravam aqui também... excuse-moi! na próxima eu venho "tre-plicar" por aqui!

Ouviu ou viu? - summa disse...

mas não nos esqueçamos,
sequer por um momento,
que tudo isso está imerso
no delírio (na ficção)
do qual emerge
ou seja
tem uma função subjetivadora
(e portanto política)