Na física, quando isolamos um evento, um sistema de partículas, temos a intenção de nos despreocuparmos com aquilo que se passa no seu interior.
Isso é possível, porque o determinismo na física diz que as variações de estado (massa, energia, posição, velocidade) de um sistema de partículas são determinadas apenas pelas interações (afecções) desse sistema com o que está à sua volta. Um sistema isolado persevera em seu ser, em seu estado, apesar de todas as mudanças que possamos perceber no nível de suas parcelas. Como um todo, o sistema isolado não muda, e permaneceria indefinidamente sem mudanças, enquanto permanecesse isolado. Num evento isolado, as variações internas locais são compensadas por variações internas opostas em um outro local do sistema. Trata-se do estado ideal de homeostasia. Um evento isolado das influências do meio envolvente é, em si mesmo, homeostático.
Um indivíduo, para Spinoza, é um evento (ele chama de conatus) que, por sua própria natureza, se esforça em manter-se em seu ser. O ser individual, em Spinoza, é, por assim dizer, um evento natural. Uma certa configuração de parcelas ama a si mesma tal como é, e deseja manter-se em seu estado. Esse desejo é o indivíduo. Quando esse desejo termina, o indivíduo se desagrega.
Spinoza se insere no que foi dito no segundo parágrafo, enquanto afirma que as causas da desagregação de um indivíduo são sempre exteriores a ele. É impossível um desejo que deseje seu próprio fim. Mas o evento em Spinoza jamais é isolável (aliás, na física, esse isolamento é apenas pensável). Ele diz explicitamente: não podemos conceber o evento humano como um imperium in imperio, como um evento isolado do meio envolvente. O evento é uma membrana, não um cortina de ferro.
Por um lado, o indivíduo é um evento natural, sua determinação não é arbitrária. Por outro, porém, seu arranjo interior é inseparável do arranjo das coisas nos seu exterior.
Vejamos algumas proposições da Ética de Spinoza*, a partir das quais podemos reconstituir o que foi dito:
E2P13Pos1: “O corpo humano compõem-se de muitos indivíduos (de natureza diferente), cada um dos quais é também altamente composto”. Spinoza não diz porém, como parece sugerir Pascal, pelo menos não aqui, que o corpo humano compõe, numa proporção acima da que percebemos, um outro indivíduo.
E3P4: “Nenhuma coisa pode ser destruída senão por uma causa exterior”.
A famosa E3P6: “Cada coisa esforça-se (conatur), tanto enquanto está em si, por perseverar em seu ser”. E3P8: “O esforço (conatus) pelo qual cada coisa se esforça por perseverar em seu ser não envolve nenhum tempo finito, mas um tempo indefinido”. E3P7: “O conatus [...] nada mais é do que a sua essência atual”.
E finalmente E3defaff1: “O desejo é a própria essência do homem [...]” ou E3P9S.
(*)SPINOZA, Benedictus de. Ethica-Ética: edição bilingüe latim-português. Trad. Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2007 [1675].
Nenhum comentário:
Postar um comentário