Quando andamos na opacidade da neblina absoluta, um passo à frente pode nos colocar no limiar de um precipício abissal...
Segundo Shari'ati, Ithar tem a mesma raiz que Thar (sangue)*.
A libertação completa das determinações naturais do ser humano só é atingida quando o indivíduo se libera da ipseidade, do seu si próprio, do seu ego. Apenas mediante Ithar, pela religião e pelo amor, o indivíduo alcança o nível supremo de Ensan, e ultrapassa a sua última prisão, que é o Eu.
Segundo Shari'ati, não há outra via para o Ensaniat (a realização da essência humana como perpétuo vir-a-ser na direção da infinitude) do que Ithar.
Ithar, que nos coloca definitivamente acima da bestialidade de Bashar, está além da lógica e da racionalidade. Ithar é o amor religioso pelo outro que culmina no sacrifício de si (e disso vem sua remissão ao sangue). Ithar é a "generosidade excessiva" em vista do outro, mediante o auto-sacrifício – a entrega dos pertences, eventualmente da vida. Ithar é amar o próximo mais do que a si mesmo.
Ithar não é o amor a deus, mas ao próximo. Corresponde só a dimensão política (e não à teológica) do imperativo judaico-católico de amar a deus acima de tudo e o próximo como a si mesmo.
Entretanto, se não me engano, Ithar não é Jihad. Não se trata de Jihad, da guerra justa ao opressor. Mas da guerra contra a opressão do Eu, que nos mantém no estado de Bashar. Ithar, e não Jihad, seria a conseqüência última da espiritualidade shiita. Ou seria isso um abuso de linguagem?
Ithar e Jihad podem estar conectados, mas não estão necessariamente. Talvez Ithar (se Ithar é o amor universal) até mesmo exclua a escolha da Jihad. Mas então talvez já não se trate do Islã shiita.
(*) SHARI’ATI, Ali. Modern man and his prisons. In: SHARI’ATI, Ali. Man and Islam. North Halendon: Islamic Publications International, 1981. P.62.
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