Romance

Qual a vantagem do romance sobre o ensaio? Leia-se Les bienveillantes, de Jonathan Littel, Gallimard, 2006, prix Goncourt. O que faz Littel de seu personagem, o Dr. Aue? O que Littel tem que fazer de seu magnífico Dr. Aue beira o ridículo.

Retiremos os personagens do romance, a falsa impressão de vida, os personagens e suas peripécias, o trabalho sobre os sentimentos, esses operadores de identificação, pretensa vivificação do ensaio, retiremos os personagens, e o que resta de um romance? Um ensaio.

O ensaio é essa síntese do romance: é o romance sem personagens. A trama permanece, como pura trama de proposições, sem personagens. A lógica da trama do romance, no ensaio, é a lógica argumentativa. O personagem é a possibilidade da presença do público leitor no interior do romance; ou o comprometimento do autor de romances com seu público. Os personagens são recipientes para os leitores, armadilhas em que os leitores e os autores de romances são apreendidos. O ensaio, por sua vez, compromete-se com outra coisa, seja o que for; às vezes, a verdade, mas não necessariamente, às vezes, a ficção, quando as proposições apoiam-se umas nas outras e em nada mais.

Em algumas partes do livro de Littel, Dr. Aue é como o personagem de um ensaio – embora o ensaio não tenha personagens, ele pode ter um perfil, um estilo, uma perspectiva, até mesmo um nome, porém, jamais ser um reflexo em um espelho de leitor –, seco, nu, vazio, sem alma; em outras, como personagem de uma armadilha – ele aparece como em uma história em quadrinhos, em uma fotonovela. Isso é o que faz do romance um dos inversos da informacãoBLOG. O romance estabelece a relação de sujeito a sujeito, essa é a sua principal função – enfatizar a comunicabilidade entre interioridades. Mas a comunicabilidade, em si mesma, é a prova cabal da impossibilidade da interioridade.

Por que o drama trágico não é mais, ou não é ainda, um romance? Porque os personagens da tragédia, secos demais, nus demais, escapam, para nós, hoje, da identificação, tornam-se arquétipos. O SS-Obersturmbannführer, dr. Aue, é uma possibilidade vivificável, plausível, e se quer assim; Medéia ou Antígona, não.

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