Angústia, foguete, balão, amor

Nossa extremada modernidade...
Como ondas do mar vivemos agitados por ventos contrários.

Sempre a incerteza? Não há nada a respeito do que nós possamos estar certos e nos repousar? Nada a que nós possamos aquiescer?

Estamos absolutamente soltos, nisso aí? Indo e sendo levados, por aí, sem nenhum sentido além da morte certa? Colocar a certeza no ser-para-a-morte é colocar a certeza num limite. Mas o limite, propriamente, não é nada de positivo. A morte não tem em si nada de positivo. Ela apenas traça um contorno, nega, interrompe o ser. A morte não é ser, mas deixar de ser.

Somos ser-para-deixar-de-ser? E ficamos na angústia. A angústia é o sentimento intelectual a que corresponde esse nihilismo do ser que é ser negado.

Somos ser-para-deixar-de-ser? Uma resposta logo poderia ser dita: confunde-se aqui o ser com o existente. E não há entre ser e existir alguma diferença? Mas, deixemos assim essa resposta sem responder.

Em meio ao incerto, Descartes havia encontrado um porto seguro, do qual a modernidade toda, até se livrar dele também, fez um ponto de apoio, o eu-penso, o cogito. Nietzsche e Freud largaram ainda desta amarra.

Para chegar aí, no princípio do eu-penso, Descartes parte das beiras, e vem retrocedendo. Vai cedendo ao incerto tudo aquilo que não pode, por probidade intelectual, manter agarrado consigo. Um foguete, isto poderia corresponder ao devir de um mundo-foguete, que vai largando suas partes até restar só a cápsula.

Em Spinoza, um moderno que olhava para trás e para nós, tudo se constrói intelectualmente ao inverso do devir-foguete. O certo está dado na própria beira. Não se carece de achá-lo, mas de se estar em cheio nele. Um balão, isto poderia corresponder ao devir de um mundo-balão. Que vai se enchendo até chegar na certeza plena, cheia de si, na mais certeza do amor. Estar mais certo do seu amor, como o ser enquanto tal. Do seu amar e do seu ser amado.

Amor em latim tem dois usos: como amor, substantivo, e como eu-sou-amado, voz passiva do verbo amar.

O certo em Descartes? Cogito, eu-penso.

O certo incerto na extrema modernidade? Angústia, sentimento intelectual do não-ser.

O mais certo em Spinoza? Amor, o amor-eu-ser-amado. Esse inteligir-se ser-sentimento da plenitude do ser infinito.

Voltando à questão de nossa modernidade nos seus extremos: _não há mesmo nenhuma bússola, nenhum astro que nos indique um caminho certo? A modernidade nos indicou não haver uma direção certa, um fim final e guia para tudo isso. E isso é mesmo uma maravilha. Somos andarilhos e não viajantes ou peregrinos.

Há só sertão, diria em último Guimarães Rosa, “O diabo não há! É o que digo, se for... Existe é homem humano. Travessia”. Infinito.

Pura travessia, isso é do ser andarilho. Atravessar, como se houvesse o fora do sertão, isso é do ser viajante, que vai de um lugar ao outro.

Mas, além do rumo, perdemos a fórmula do modo de ser certo e tranquilo. Ser tranquilamente um andarilho? Só no amor. E para isso, não basta puro sentir, mas também pensar muito.

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