O que é isso, o estado pós-neotênico?

Certos animais reproduzem-se somente em estado de larva. Sendo que seu desenvolvimento posterior, seu amadurecimento, não tem qualquer função reprodutiva.

Conheci esse fenômeno, a neotenia, através da obra do naturalista Levi. “Em suma – escreve Dr. Levi –, é como se uma lagarta, uma fêmea, copulasse com outra lagarta, fosse fecundada e depositasse seus ovos antes de se tornar borboleta”*.

Esse tornar-se borboleta, essa metamorfose, acontece apenas com um número reduzido de larvas, provavelmente com as que alcançam uma existência prolongada. A maioria permanece no estado embrionário, mas sexuado, até a morte. Dr. Levi esclarece que com a larva em cativeiro, no laboratório, não se consegue estabelecer as condições dessa transformação.

A transformação da larva em um ser colorido, harmônico, hábil, enfim, mais perfeito (pelo menos para os padrões estéticos humanos) não favorece em nada a reprodução da espécie. A borboleta assexuada do estado pós-neotênico é um ente totalmente gratuito do ponto de vista da espécie ou biológico, e por isso constitui uma aberração à luz da lei da seleção natural.

Procuro pensar que relação se pode estabelecer entre a neotenia e a passagem de Bashar a Ensan. Aparentemente, há alguma, mas qual? À primeira vista, Bashar seria a larva reprodutora; Ensan, a borboleta pós-neotênica – um milagre desligado da natureza biológica e cíclica. Mas no alcance do Ensaniat, Ithar e Thar são os operadores. Enquanto a metamorfose da larva não exige a sua morte, mas sua transformação viva.

O shi'ísmo de Shariati oferecia o shahadat (o martírio) como operador da passagem ao sublime pós-natural e transcendente. O estado pós-neotênico, por outro lado, é alcançado ainda em vida, na imanência.

Se há um estado pós-neotênico da espécie humana, em que se constitui? Seria um estado de superação de sua condição biológica e biopolítica? Pode o ser humano alcançar uma dimensão sublime em vida? Poderíamos chamar esse estado sublime de espiritualidade? Seria esse o übermensch, o para além do humano de Nietzsche?

O pós-neotênico humano: um ser vivo mais perfeito, para o qual a morte deixou de ser uma barreira, porque realizou sua sublimidade ainda em vida.

(*) LEVI, Primo. Borboleta angélica. In: 71 contos. Trad. Maurício Santana Dias . São Paulo: Companhia das Letras, 2005. P. 57.

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