Dispositivo do futebol

O dispositivo é uma espécie de armadilha. Não é preciso denunciar, todos somos conscientes: _o futebol é um dispositivo armado em torno da bola. Mas é preciso ir a um estádio para perceber todo o efeito-plasma que este dispositivo envolve.

Apesar de todo mundo saber do jogo sem bola, fora dos gramados – as negociações, os contratos, os poderes, o uso político, o uso publicitário, o interesse da mídia, os observatórios capilares de talentos, a apreensão da atenção de vasta multidão, o nacionalismo, a internacionalização –, mesmo assim há aderência. Pois o futebol afeta e, apesar da consciência racionalizante que entende o que há por baixo de tudo isso, nos deixamos levar.

O futebol afeta, e a explicação para isso não pode ser mais simples: _afeta porque somos entes cuja potência é por natureza afetiva. Negar a afecção seria como negar a potência que somos. E o futebol nos carrega porque somos entes de imaginação. A imaginação justifica o dispositivo que a consciência condena ao inferno.

A imaginação salva o dispositivo porque, num determinado momento desse jogo, tudo é como é, o que está por cima e aparente é real. O jogador joga, o torcedor torce, o jogo vale, os times competem, realmente. Sob os holofotes, torcida, campo, técnico, banco, comentador, espectador, camisa, cor, sangue, glória, a realidade se plasma em torno da bola.

E o que fazer da consciência? A razão, que corrói o maléfico dispositivo, ameaça porém corroer também nossa natureza afetiva. Ficamos, de certo modo, presos entre esse niilismo da razão consciente e essa jaula da imaginação.

Entre um real vazio e uma imaginação cheia, fica a pergunta: _há alguma realidade que não seja imaginária? Algum modo de ser por fora de qualquer dispositivo?

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