Tenho pena até... nem sei...
Do próprio mal que passei
Pois passei quando passou.*
Enquanto passar for o critério da pena, penaremos sempre, pois passamos, independentemente da vida ser boa ou má, digna ou indigna de ser vivida. Sofremos simplesmente porque a vida passa e, nesse passar, se extingue. Sofremos enfim da finitude da vida, porque de todo modo passa a vida.
No passar do tempo, na duração, exaurem-se a saúde e o vigor de nosso corpo, escoam continuamente de nossas mãos os frutos de nosso trabalho, retomamos o eco inútil das palavras já ditas, somamos páginas redundantes à biblioteca infinita, em que tudo já foi escrito.
No viver a sofrer a vida, entristecemo-nos, continuamente. E nessa tristeza está a dimensão política de nosso padecer, pois a tristeza é sinal da redução de nossa potência. Pergunto-me se não é essa a condição política da modernidade ocidental, dos mecanismos de poder do Ocidente – ditos biopolíticos – que nos apreendem enquanto seres finitos. Pergunto-me se não nos enrolamos nas malhas do poder, enquanto concebemos nossa vida, como vida que passa e decai, como corpo que trabalha infrutiferamente, como falante da fala falada. A biopolítica é a política da vida, mas da vida enquanto finita, a biopolítica é a política da finitude. Nesse enrolarmo-nos nesse rolo, vai de nossa autonomia, é de nossa potência que se trata e de nossa alegria.
(*) PESSOA, Fernando. Poesias coligidas. Inéditas 1919-1935. Poema 630, p. 520 [1929]. In: Obra poética. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005.
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