Io

Io, a virgem desejada por Zeus. Io, a vítima do ciúmes divino de Hera, esposa de Zeus. Io, a mortal perseguida pelo moscardo. O moscardo que turva sua visão, que a faz perder a razão, de tal forma que ela chega a perder seu aspecto humano; crescem-lhe, na fronte, pequenos chifres. Io, por causa do moscardo, não pode deixar de ir adiante, nem ver clara e distintamente.

Na sua fuga sem fim, Io chega ao fim do mundo. Ali encontra Prometeu acorrentado, o deus que lhe revela a verdade de sua própria sina, misteriosamente articulada à sina do próprio sofrimento do deus.*

Para Sócrates, a função do filósofo é a do moscardo. Incomodar os mortais da pólis quando, em sua doxa (sua opinião ou a perspectiva pela qual o mortal interpreta o mundo), eles crêem tratar-se da verdade; quando em sua política, crêem tratar-se de filosofia. **

A verdade e a filosofia não são pertinentes ao mortal (aliás, segundo Simonides: "só Deus pode gozar desse privilégio").

O moscardo de Io, entretanto, afinal, a conduz à verdade na presença divina.


(*) ÉSQUILO. Prometeu acorrentado. Trad. J. B. Mello e Souza. Ediouro.
(**) ARENDT, Hannah. Filosofia e política. In: A dignidade humana: ensaios e conferências. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.

Nenhum comentário: