O que é a anorexia na moda?


Para conhecer o pano de fundo dessa discussão, consulte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/09/070925_anorexia_ga_ac.shtml.

Foucault, em os Anormais (pp. 191 ss., na edição francesa), instala as freiras possuídas pelo demônio como instâncias de resistência ao incremento do poder pastoral, do poder eclesiástico, nos séculos XVI-XVIII. Diferentemente das bruxas, as possuídas pelo demônio são religiosas que pertencem à Igreja e conhecem o Cristo. No interior dos corpos fragmentados das possuídas, digladiam-se não só as forças maléficas do diabo e as benéficas dos exorcistas, mas também a própria vontade ambígua das possuídas, resistindo ora a um ora a outro dos poderes. A convulsão da possuída é a expressão desses confrontos. Na possessão, a carne cristã é agenciada pelo poder eclesiástico-pastoral até o limite, até o extremo, de sua conversão em carne convulsiva.

Gostaria de pensar a anorexia das modelos em analogia com o fenômeno da possessão. A anorexia da modelo é essa configuração paradoxal de um corpo submetido, até o seu próprio limite, a um poder que o modela. Mecânica de um corpo que, num determinado momento, se desgoverna. Mas a resistência desse corpo é tão inapreensível, que ela não se mostra como afronta direta; não é o corpo que engorda, que contraria simplesmente o padrão que lhe é imposto. Pelo contrário, o corpo anoréxico da modelo é um corpo em que a forma idealizada do corpo da moda se aprofunda, até o extremo, até a beira do nada. Corpo que segue, para além do razoável, as injunções do seu senhor, mas que, nessa submissão total, encontra a forma absurda de uma resistência. A modelo anoréxica é a religiosa possuída do dispositivo da moda. Seu corpo é agenciado por esse dispositivo, até o momento paradoxal, em que ele, desgovernado, passa a manifestar, da forma mais bruta, e em si mesmo, o absurdo desse dispositivo. Desgoverno que é resistência ao governo da moda.

FOUCAULT, Michel. Les anormaux: Cours au Collège de France, 1974-1975. Paris: Seuil/Gallimard, 1999 [1975]. 218 p.


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