Nosso esquema da cidade mostrou-se assim – A cidade se encontra, relativamente ao muro de sua forma, do mesmo lado que a guarda.
O muro, segundo nosso esquema, é a forma da cidade, porque lhe dá seu aspecto, tal como podemos apreendê-la pela visão, e ao mesmo tempo delimita a cidade separando-a do seu entorno. O muro é a membrana que singulariza a cidade como evento. Mas é a guarda que indica de que lado do muro a cidade se encontra. Assim, no nosso esquema de cidade, a guarda, como o muro, é um dos elementos da forma da cidade.
Retomemos essa questão, porém, genealogicamente. Até o século XVIII, além de forma, o muro era também a essência da cidade. Quer dizer, o muro era aquilo que de uma cidade não se podia retirar, se a cidade devesse continuar sendo o que era. A forma e a essência da cidade coincidiam no muro.
A partir do século XVIII, a abordagem da cidade se transforma. Trata-se de "recolocar a cidade em um espaço de circulação"*. O muro perde sua função de forma e de essência da cidade. A cidade deixa de ter um limite bem definido e material. Passa a integrar, como elemento, um sistema territorial. A cidade torna-se como um ponto de condensação, na malha difusa e maior do território de livre-circulação, composto de várias cidades e de uma fronteira.
Os muros que, a partir de então, na cidade, ainda se notam delineam espaços de extraterritorialidade, como aqueles do interior dos presídios. Mas o muro já não é, nessa configuração, essencial para o ser da cidade. Pode-se ao menos imaginar uma cidade sem bolhas de extraterritorialidade no seu seio. Uma cidade sem muros é no mínimo pensável.
Nessa cidade sem muros, a posição da guarda já não indica nada. Ao menos em pensamento, poderia sair da cidade e se posicionar na fronteira do território, sem que o estatuto da cidade se alterasse por isso.
(*) FOUCAULT, Michel. Sécurité, territoire, population: Cours au Collège de France, 1977-1978. Paris: Seuil/Gallimard, 2004. P. 14.
Nenhum comentário:
Postar um comentário