Hobbes (6) – governo de si

Segundo Hobbes, cada ser humano tem o direito natural (Lev, I, xiv, §1) de governar a si mesmo, isto é, o direito de pensar, expressar-se e agir segundo sua própria razão e vontade, segundo o que for mais apropriado, a fim de preservar sua própria natureza.

O direito natural é um direito próprio à própria natureza humana. Temos esse direito em nós mesmos. É um direito existencial, intrínseco à existência. A partir do momento em que existimos, temos, associada a essa existência, a liberdade de usar nosso poder (Lev, I, x, §1), entendido como os meios efetivos de que dispomos para obter algo que desejamos. Esse poder pode ser imediato: as capacidades intrínsecas de nosso corpo e de nossa alma, nossa força e nossa inteligência. Ou mediato: os poderes que adquirimos no desdobramento de nossas capacidades, ou do desdobramento do poder próprio a outros homens, os quais, de alguma forma, submetemos ao nosso desejo.

Hobbes assinala que é da natureza do poder um impulso a ir adiante. Quanto mais poder um homem dispõe, tanto mais facilmente, em princípio, esse poder se expande.

Então, o poder é aquilo que nos permite obter algo que desejamos, algum bem, isto é, alguma coisa que desperta nosso apetite. Esse bem externo exerce sobre nós uma atração, que em nós é um apetite, uma inclinação, uma paixão. Esse bem externo é a causa de nosso conatus (Lev, I, vi, §1) – nosso esforço para obtê-lo. Dessa forma, para Hobbes, o governo de si não é uma perfeita autonomia, entendida como autonomia racional, ou autonomia da vontade. Nossa vontade não é livre, não dá a si mesma a lei de sua ação, não é um princípio separado da ação do agente (separado do bem), mas nossa vontade é determinada por nossas paixões.

Vontade é apetite, é ligada ao bem, não é uma faculdade separada no sujeito desejante. A vontade não se contrapõe ao apetite, ao desejo.

Mas a vontade tampouco é o primeiro apetite, aquele que um bem desperta em nós imediatamente. A vontade é o último apetite na deliberação (Lev, I, vi, §53), na seqüência de apetites que se alternam em uma ponderação a respeito do bem, e que antecedem nossa ação em vista desse bem.

O governo de si, para Hobbes, não é simplesmente manter-se senhor de suas paixões, seguindo princípios racionais. O governo de si é fazer tudo o que está em seu poder para satisfazer seu desejo e sua vontade de preservar sua existência. Preservar-se na existência é o bem em si, o fim-fundamento da vontade e do governo de si.

O governo de si articula-se com o governo dos outros de duas maneiras. Vamos ver como.

(1) Primeira articulação do governo de si com o governo dos outros: a vontade de poder, a soberania por aquisição.

O poder é como a ponte que nos leva de uma margem à outra, de nosso apetite a nosso bem, objeto do desejo. Uma margem não existe sem a outra, não existe apetite sem bem, nem bem sem apetite.

Porém, esse mecanismo desejo-poder-bem que, em princípio, mobiliza três entidades distintas, entra naturalmente em curto-circuito. O poder torna-se naturalmente um bem desejado em si mesmo. Temos naturalmente o desejo de poder e mais poder (Lev, I, xi, §2), pois só o mais poder pode nos garantir os bens que já possuímos ou os que ainda desejamos. Nossos bens adquiridos ou desejados são também desejados por outros homens. Esse desejo dos outros pelos mesmos bens que nós desejamos só é refreado por nosso próprio poder (imediato ou mediato, original ou instrumental).

Nosso poder original (força e inteligência) é limitado, e semelhante ao de outros homens. A única forma efetiva de alcançarmos mais poder é pela submissão do poder original de outros homens à nossa vontade. Essa submissão do poder de outros é o governo dos outros.

Assim, o governo de si, exercido plenamente, conduz ao governo dos outros, a tornar-se a vontade soberana que governa, em vista de seu próprio poder, a vontade dos outros.

(2) Segunda articulação do governo de si com o governo dos outros: o pacto de poder, a soberania por instituição.

No pacto de soberania, os que se submetem concordam em transferir a maior parte de seus poderes (originais e instrumentais) ao soberano. Os que pactuam assim abrem mão do seu direito a governar a si mesmos (isto é, agir e expressar-se conforme sua vontade), e se sujeitam à vontade do soberano (Lev, II, xvii, §13).

(3) Conclusão disso tudo

Na política, na forma da soberania, é o governo de si que está em jogo. Encontrar uma forma política alternativa ao poder soberano é o mesmo que encontrar uma forma política em que todos os sujeitos, e não apenas o soberano, mantenham a plenitude de suas vontades.
Para Hobbes, isso é impossível. A condição do governo de si pleno e plural é apenas a condição de guerra de todos contra todos.

Hobbes concebe a política como negação da possibilidade da guerra e a soberania é único poder que garante a paz e a defesa dos sujeitos em um território.

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