A versão de Blair da conversão de Blair

Ex-anglicano, Tony Blair se converte ao catolicismo.

Blair: exemplo de um biopolítico por excelência que sucumbe à superstição teológica.

Embora Blair afirme tratar-se de uma questão privada, talvez possamos tratar a questão conforme sugere o filósofo A. Negri*:

"O choque de civilizações" (The clash of civilizations de Samuel Huntington) não seria uma descrição do mundo, mas uma prescrição do modo pelo qual devem ser estruturadas as forças em jogo no mundo de hoje. Não haveria, segundo Negri, um autêntico choque de civilizações, mas sim a necessidade de enfeixamento das forças em jogo no mundo. A noção de "civilizações em choque" seria uma maneira de agrupar, ordenar e controlar essas forças.

Nessa perspectiva, o posicionamento de Blair serve para engessar a idéia de uma civilização de caráter religioso. E o catolicismo mais do que qualquer outra forma de cristianismo representa essa unidade histórica religiosa da civilização ocidental.

O novo catolicismo de Blair não seria uma questão privada, mas um posicionamento geopolítico, dirigido pela estratégia de criar e de aprofundar a idéia de um choque da civilização ocidental cristã com a oriental islâmica.

Duas hipóteses explicativas da conversão de Blair:

(1) A idéia de uma unidade da civilização ocidental serviria para mascarar as rupturas internas do Ocidente, entre as quais a luta de classes, o colonialismo, a urbanização.

(2) Por outro lado, a idéia de uma civilização ocidental fundada na religiosidade serviria para mascarar o verdadeiro princípio da organização política no Ocidente, que é a biopolítica, o governo da população a partir da posição e do agenciamento de sua naturalidade – seu corpo vivo – e do controle dos homens a partir da produção da consciência de sua finitude absoluta. A conversão ao catolicismo serviria apenas para enfatizar publicamente um fator de religiosidade.

A produção da máscara católica de autoridade política de Blair indica teatralmente (e não privadamente) que a civilização ocidental é una e que sua política não é o agenciamento do corpo e da vida – a civilização ocidental seria essencialmente a civilização do espírito cristão.

Porém, segundo Negri, a idéia do "choque de civilizações" foi rejeitada, porque não convém à criação de um mundo globalizado e sem barreiras. A globalização, para globalizar-se, deve passar por cima das fronteiras entre civilizações, não demarcá-las.

Entre as duas hipóteses explicativas devemos nos inclinar, então, pela segunda.

(*) HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multitude: War and Democracy in the Age of Empire. 2004. Pp. 33-35.

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