Gostaria de retomar aquele paradoxo da democracia plebiscitária, dessa vez, em termos do que Horkheimer* chamou de razão subjetiva e de razão objetiva, duas facetas da razão.
A razão subjetiva é instrumental, é a razão calculadora, que serve para adaptar os meios (os procedimentos) a fins (propósitos) auto-explicativos, em si mesmos não racionais. Esses fins são a auto-preservação do sujeito isoladamente ou a auto-preservação da comunidade em que vive o sujeito. Dessa forma, votar segundo a razão subjetiva é votar pelo interesse da parcela (individual ou comunitária), é calcular o que é lhe mais útil, é o voto útil.
A razão objetiva é a razão absoluta, ordenadora do cosmos. Pressupõe a idéia de uma ordem própria à natureza, uma ordem natural. Essa ordem natural racional é o próprio objeto da razão – a verdade em sentido forte. Votar segundo a razão objetiva é o voto segundo a verdade, é o voto sem compromisso.
Obviamente, podemos nos perguntar se a razão objetiva, cujo conteúdo é a verdade absoluta, ainda é uma razão democrática? Se a verdade é absoluta, em princípio, ela tem que ser totalitária. Totalitarismo e democracia porém não se excluem. Mesmo o princípio da maioria, que está na base de legitimação da nossa forma de democracia, pode ser totalitário. E o que pode se colocar como obstáculo a esse princípio da maioria são os princípios universais, por exemplo, os direitos humanos. E justamente esses direitos humanos são baseados em uma forma universal da razão, diante da qual a razão da maioria é ainda uma razão subjetiva.
Para evitar o totalitarismo e manter a política, no sentido do pluralismo, no sentido da liberdade de expressão do dissonante, é preciso reconhecer que o conteúdo da razão objetiva não pode ser considerado absolutamente verdadeiro.
Historicamente, a razão objetiva tornou-se criticável justamente porque, de forma disfarçada, na sua busca pelo absoluto, ela encerrou em si, de fato, o elemento de dominação da natureza pelo homem e, conseqüentemente, da dominação do homem pelo homem.
Mas assumir o pleno caráter subjetivo da razão, reduz o valor intrínseco do mundo a nada, e esse niilismo é capaz também das maiores violências – já que nenhuma ação, do ponto de vista da razão subjetiva, é má em si mesma.
O que propõe Horkheimer é o balanço crítico entre razão objetiva e razão subjetiva. Quando impera o objetivo, criticá-lo pela razão subjetiva; e, inversamente, criticar objetivamente o subjetivo.
Outro posicionamento possível é assumir a razão objetiva como uma doxa – não como uma verdade absoluta, mas como uma opinião coerente e desinteressada. Mas em que medida esse desinteresse é possível?
E, assim, as questões e a crítica servem constantemente para desestabilizar a harmonia, mas devem renovar o desejo de alcançá-lá.
Se a solução é o balanço crítico entre uma idéia do objetivo e uma idéia do subjetivo, então parece que o paradoxo da democracia deixa de ser um paradoxo para tornar-se o seu motor.
Faz parte do jogo democrático passar do voto útil ao voto absoluto, e vice-versa, conforme a situação.
(*) HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. Trad. Sebastião Uchoa Leite. Rio de Janeiro: Labor do Brasil, 1976 [1944].
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