O desejo de sombra na política

O que, afinal, nos afasta radicalmente do império democrático? Empecilhos histórico-estruturais em nossas formas de organização? Não. O que nos afasta da democracia radical é o nosso pavor de nós mesmos, o gigantesco temor de morte que sentimos ao habitarmos a potência do fogo ingente e o correlato desejo de sombra.

Repita-se, com a ênfase necessária:
[...] na primeira vez, todos igualmente foram encontrar a Deus, para que ouvissem isso que Ele lhes quisesse imperar. Mas, nessa primeira saudação, a tal ponto ficaram aterrorizados e atônitos, ao ouvirem [por si mesmos, isto é, imediatamente em si mesmos] ao Deus falante, que pensaram estar diante do seu próprio tempo supremo, o juízo final [a temporalidade estancada – o ser inteiro visível]. Então, tomados de pavor, voltaram-se a Moisés [ou à sua consciência]: “eis que ouvimos diretamente ao Deus falante no fogo [do nosso coração], mas não há causa pela qual queiramos morrer; certamente, este [nosso próprio] fogo ingente nos devorará; se, outra vez, nós precisarmos ouvir a voz de Deus [entre nós], certamente, nós morreremos [em nossa própria fogueira]. Então, vai tu ao Seu encontro e ouve [em nosso lugar] tudo o que Deus nos tem a dizer...”*.
Moisés (ou o devir afetivamente impossibilitado da democracia radical) é o representante, no sentido de uma consciência ouvinte, intermediária, intermediadora da relação de si a si e de si ao outro.


(*) SPINOZA, Benedictus de. Oeuvres III: Traité théologico-politique. Trad. Jacqueline Lagrée et Pierre-François Moreau. Paris: PUF, 2009 [1670]. XVII, §9. P. 549.

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