Taylor* nos mostra como, se Aristóteles
levasse a fundo as suas próprias definições, o tipo de poder numa comunidade
humana ideal seria o poder democrático.
Este poder (exercido entre
homens iguais e livres), Aristóteles, é verdade, não o chamava de democracia, porque ele definiu a democracia como a sua perversão. A democracia, para Aristóteles, é o poder da
maioria em vista da maioria e não do comum.
Ao poder exercido entre “homens livres e
iguais” (com exclusão daqueles que não têm a autoridade – as mulheres –, que não sabem deliberar – os escravos, ou que não sabem falar – os infantes), para o bem comum, Aristóteles dá o nome de politeia.
Isso causa alguma confusão.
Pois, para Aristóteles, politeia é gênero e espécie. É o gênero de todas as formas de governo que
visam ao bem comum. E é também uma espécie desse gênero, aquela em que o poder
é exercido por todos os homens.
Politeia,
como gênero, na tradução latina, é a república. Na tradução latina, fica
ressaltada a finalidade da politeia, a res publica, a coisa pública ou o bem
comum.
Republica traduz
politeia como gênero e não como espécie.
A politeia
como gênero, como aquele poder que visa ao bem da comunidade, é qualquer forma
de forma de governo verdadeira e não pervertida. Como poder que cuida (que cura, que se preocupa) da coisa pública, a politeia é dita, também, monarquia e aristocracia – formas de governo em que somente um ou alguns poucos exercem o
poder.
A tradução latina de politeia como republica nos esconde, então,
aquele outro sentido, presente no grego, e que nos remete àquela forma específica do poder de todos, a pólis
propriamente dita.
Nesse sentido específico, a pólis é uma comunidade composta de cidadãos (Política, III, 1, 1274b41). E um cidadão é
definido como aquele que é capaz de participar nas áreas deliberativas e
judiciais do governo (1275b18-20).
Na pólis ideal,
todos os seus membros componentes, todos os cidadãos exercem o poder (não
apenas a maioria) com vistas ao bem comum (e não ao bem exclusivo da maioria).
Quando Aristóteles fala da pólis e do tipo de poder exercido nela, ele fala de:
ἡ δὲ πολιτικὴ ἐλευθέρων καὶ ἴσων ἀρχή (I, 7, 1256a20)
Aí, aparece o termo politiké arché. Que é traduzido, no inglês, por “constitutional rule”, como “a government of freeman and equals”**. Que, no português, daria algo como “poder ou império constitucional,
governo de homens livres e iguais”.
Arché para os
primeiros filósofos designava o princípio ontológico que explica o ser das
coisas existentes.
Para os primeiros filósofos, a filosofia era
investigação da natureza (istoria peri physeus),
“explicação da realidade, em seu conjunto e em seu estado presente, a partir da
sua origem – a physis como arché – e explicação fazendo intervir apenas processos naturais”***.
E a arché, o
princípio ontológico constituinte das coisas, variava: água para Tales, ar para Anaxímenes, fogo para Heráclito, apeiron (infinito ou
indeterminado) para Anaximandro.
O termo arché está presente em monarquia (na qual o princípio constituinte da
comunidade dos homens é mono, único, um).
Na comunidade ideal, o princípio
constituinte é plural, não é um princípio, mas cada um dos membros componentes
da comunidade é um princípio constituinte, cada um é uma arché, um poder, uma fonte de comando.
Poderíamos dar o nome de poliarquia a esta comunidade política ideal, constituída por uma
multiplicidade de princípios.
(*) TAYLOR, Christopher C. W. Politics. In: BARNES, Johannes (Org.). The Cambridge Companion to Aristotle. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.
(**) ARISTÓTELES. Politics. Trad. Benjamin Jowett. In: MCKEON, Richard (Org.). The Basic
Works of Aristotle. New York: Random House, 1941.
(***) CONCHE, Marcel. Anaximandre: Fragments et témoignages. Paris: PUF, 1991. P. 79.
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