“O pior de tudo está nas novidades; toda novidade é uma inovação; toda inovação, uma errância; toda errância é destinada ao fogo do inferno.”*
Para tranquilizá-los, podemos tomar o real divino por outra ponta. Tomá-lo tal como ele é, sem idealizá-lo. Tomá-lo na perpendicular, sem inclinações; ou dito de outro modo, tomá-lo ordinariamente (paralelamente: no seu plano de imanência).
O pensamento (e o pensamento é uma expressão de Deus e portanto divino) é feito não só de ideias fixas, mas do seu desdobramento infinito. As ideias divinas pulsam, produzem ideias, infinitamente. Obviamente, na perspetiva divina, isso não se dá no tempo. Nessa perspectiva, o movimento das ideias é seu encadeamento, sua relação umas com as outras, na infinita produção-exposição de tudo aquilo que é concebível. E este aquilo que é concebível é infinito, e constitui o que poderíamos chamar a malha de ideias infinita do real.
Na nossa perspectiva, a de entes finitos na existência, entretanto, o encadeamento das ideias, a malha do real, nós o percebemos não como uma produção-exposição, mas temporalmente, como movimento. Então é possível para nós pensar diferente, e alcançar novas revelações, mesmo parciais, ou perdermos as que havíamos alcançado.
Além disso, necessariamente, nossas ideias não são todas claras e distintas. Longe disso! Elas são quase sempre, quase todas, confusas, truncadas, imbricadas e sobrepostas umas às outras. Essa sobreposição e percepção parcial das ideias é a imaginação. Mas a imaginação não é por isso condenável. Ela é uma errância, certo, mas mesmo assim envolve, embora confusamente, ideias verdadeiras e divinas.
A imaginação é um movimento sobre e com a malha infinita das ideias divinas.
Não podemos condenar uma pedra por ser dura. Não podemos condenar um leão por ter pelos. Como Deus iria nos condenar por imaginar e imaginar?
(*) Tradição oral islâmica (hadith), apud: MERVIN, Sabrine. Histoire de l’islam. 2 ed. Paris: Flammarion, 2010 [2000]. P. 158.
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