Pensamos o sujeito como um divisor de águas entre a interioridade do pensamento e a exterioridade da corporeidade, e tudo está perdido: pensamento e corporeidade tornam-se separados por um tal abismo que ele só poderá ser preenchido pela providência de um Deus transcendente ou, ao contrário, pelo nada.
Entretanto, basta retirar esse dique – o sujeito enquanto algo que pensa –, esse dique que represa a água do pensamento, para que o pensamento inunde o vale, e a terra, no encontro, o absorva, em sua fertilidade.
Sem o sujeito pensante – como fundamento do conhecimento e, assim, da própria natureza, enquanto algo que se conhece –, pensamento e corporeidade confluem, sem se tornarem o mesmo, mas como aspectos distintos e até mesmo incomensuráveis do mesmo. Enquanto a natureza, por sua vez, sendo também de terra e corpórea, já não exclui o próprio pensamento que a pensa.
Por tudo isso, é possível que o elemento dique do sujeito, afirmado ou negado, só possa ter sido pensado nos Países-Baixos.
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Para o cogito como dique, Descartes: “Tendo observado em mim, com muita clareza, que a natureza inteligente é diversa da corporal, e considerando que toda composição é uma prova de dependência, sendo esta manifestamente um defeito, julguei que Deus não poderia ser perfeito se fosse composto dessas duas naturezas e, por conseguinte, não o era, e que, se no mundo havia corpos, inteligências ou outras naturezas que não eram inteiramente perfeitas, a sua existência devia depender do poder de Deus, de maneira que não pudessem subsistir um só momento sem ele”*.
Para retirar o dique, Spinoza: “Por exemplo, concebemos que a água, enquanto água, se divida, e que suas partes se separem uma das outras, mas não enquanto substância corpórea, pois, enquanto tal, ela não se separa nem se divide. Além disso, a água, enquanto água, é gerada e se corrompe, mas enquanto substância não é gerada nem se corrompe”**.
(*) DESCARTES, René. Discurso do método. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2000 [1630]. Discurso, IV, p. 43.
(**) SPINOZA, Benedictus de. Ética. Trad. Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2007 [1675]. E1p15s, p. 37.
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