Duas ontologias, duas ficções

Na semana passada, Agamben falou-nos de duas ontologias, de dois tipos de relação formal entre a linguagem e o ser: a ontologia apofântica, ligada a enunciados, no indicativo, que dizem o verdadeiro e o falso, e a ontologia do comando, ligada a enunciados, no imperativo, que são palavras de ordem.

A apofântica corresponderia aos domínios da ciência e da filosofia; a do comando, aos domínios da religião, do direito e da magia.

Segundo Agamben, a primeira tem cada vez mais cedido espaço, na nossa modernidade que se desilumina, à segunda. Para Agamben, então, há como um obscurecimento na linguagem, nos enunciados que perfazem nosso real. Nossa realidade tem se tornado sempre mais normativa, constrangedora dos nossos modos de ser.

A abertura radical da linguagem acerca do ser em duas ontologias distintas e a ocupação de uma em detrimento da outra, para Agamben, no estado atual de suas pesquisas, talvez seja o elemento do real que mereça ser pensado.

Entretanto, vejo isso de uma maneira diferente. Afinal, na realidade efetiva das coisas, toda ontologia apofântica, todo enunciado com pretensão de verdade não envolve, ele mesmo, em si mesmo, uma normatividade, um comando? As duas ontologias, separadas por Agamben, parecem-me, de fato, uma única.
Isso não quer dizer que Agambem não concorde com Foucault, quando Foucault diz: “...que toda ontologia seja analisada como uma ficção”*.


(*) FOUCAULT, Michel. Le gouvernement de soi et des autres: Cours au Collège de France, 1982-1983. Paris: Seuil/Gallimard, 2008 [1983].  P. 285.

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