Analítica do golpe


Um golpe é uma enganação (ele me deu um golpe, me levou na conversa, e fez o que é contrário à lei); é também uma violência física (ele me deu um golpe, uma paulada). Há duas formas de violência, então, no golpe. Uma violência ao pensamento e à lei; uma violência ao corpo. Mas parece que essa distinção não nos importa muito. Ela não muda de fato a natureza do golpe. Golpe é golpe!

No entanto, um outro aspecto do golpe merece nossa atenção. Geralmente, diz-se que “A” deu um golpe em “B”. “B” sofreu um golpe. Alguém deu um golpe em “B”; então, é preciso saber quem. Ou ainda “A” deu um golpe; mas em quem? “A” enganou e bateu em quem?

Há golpe? Não há? Há engano? Há violência? Quem praticou o golpe? Quem sofreu o golpe? Que corpo foi violentado? Que lei foi violada? Mas essa lei não é ela mesma o resultado de um golpe? Pode ser, mas o que seria de nós humanos sem esse golpe? Sem a lei, não é o pior do humano que vem à tona? O poder faz a lei ou a suprime? Há golpe por aí? É evidente que sim! A realidade parece feita de golpes? Mas quem deu o golpe? Quem sofreu?

A analítica quer dar um impeachment no pensamento! Ela corrói a linguagem no seu uso. Precisamos ser pragmáticos (usuários das palavras) e não analíticos (não intérpretes das palavras). Viver as palavras vivas.

O impeachment será mais um golpeE também é claro que o impeachment não vai melhorar nada. Outros golpes já foram dados e ainda estamos golpeados, e sendo golpeados, uns e outros, na nossa diferença. Então exigimos o nosso desimpedimento. A democracia está impedida. Desimpedir a democracia é fazer o que ainda nos resta de democracia, esse mínimo: uma nova eleição. Mas uma nova eleição sob as mesmas condições da última (com o muito dinheiro de uns poucos financiando as campanhas dos candidatos de umas poucas partes, e a mídia espetacular concentrada num partido ou num outro)?

Ora, e aquela reforma política anunciada? Não é esse o golpe que precisamos dar?





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