Diário de Moscou III


Ontem, planejei visitar o Ministério da Saúde. Não havia conseguido informações sobre os horários de abertura. Não pude falar com nenhum de meus poucos conhecidos de Moscou. Se tivesse consultado Asja, internada em uma instituição do Ministério, ela certamente teria sabido me informar a respeito. Mas eu não tive forças de ir até ela, por razões diversas. Sai o mais cedo que pude, também porque resolvi dirigir-me até o hospital a pé. O frio me concedeu uma trégua nesses últimos dias. Não é tão cortante como de costume (hoje, ele já voltou com sua intensidade habitual). Pensei que alguns passos pela cidade só podiam me fazer bem.

A caminho, apesar do comunismo, em vários momentos, tive a impressão de ouvir aqueles cantos coletivos e lentos que são típicos das igrejas. Não poderia dizer de onde vinham precisamente. Eram sons difusos, oscilantes, que se misturavam aos sons laicos da cidade de Moscou (na verdade, Moscou é uma cidade mais silenciosa que a maioria das cidades). Às vezes, porém, podia ouvir sua força coletiva quase distintamente, para que logo novamente se plasmassem, sem se perderem, com o fundo sonoro geral. Moscou pareceu-me uma cidade construída sobre um mar de religiosidade, cuja maré, oprimida, assim que puder, vai se elevar novamente à tona, para dominar a música da vida comunista.

No hospital, nada encontrei que já não esperasse. O hospital é o lugar mais sujo e desorganizado. As pessoas que lá estavam eram as mais pobres, tinham o pior aspecto, e o desleixo era geral. O chão estava praticamente coberto de papéis úmidos pisados [falta a imagem dos plásticos descartáveis]. Algumas senhoras, com um lenço amarrado sobre os cabelos, eram encarregadas de varrer o chão, com grandes rodos cobertos por um pano imundo. Alguns minutos depois que passavam, tudo estava como antes, as pessoas continuavam a jogar no chão toda espécie de coisas para as quais não tinham mais utilidade.

Não há qualquer separação entre o público e os consultórios dos médicos e as enfermarias. Os doentes e os visitantes vagueavam, com seus chinelos tradicionais, alguns enfeitados com curiosos bibelôs, pelos corredores, pelas salas de repouso, pelas grandes enfermarias, com seus formulários à mão à procura de alguma coisa ou de algum responsável. Entre os pacientes, eu talvez fosse o único a calçar botas.

Os atendentes têm péssimo humor, pior que o do moscovita comum.

[Para a descrição da consulta médica e das suas consequências, a referência a Benjamin é impraticável. Vivemos hoje uma realidade medical absolutamente distinta, em Moscou tanto quanto em Berlim.]

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