Hobbes (2) – fetiche do poder e fetiche da moeda

O poder do soberano depende da soma de poderes dos sujeitos. É efetivamente a congruência dos poderes dos sujeitos (sua força física e o engenho de sua inteligência) que constitui o poder do soberano. Enquanto pessoa natural, o soberano não tem mais poder do que qualquer dos seus sujeitos. O poder soberano não possui um fundamento em si mesmo, mas nos poderes dos sujeitos.

O poder do soberano, portanto, depende do sentido do real, que é a crença no poder de punir do soberano, que por sua vez depende do poder efetivo, mas pulverizado, dos sujeitos. O único ser do poder soberano é o poder reunido do ser dos sujeitos.

O poder do soberano se assenta sobre o campo de virtualidades que ele mesmo estrutura. Quando se esfacela o real, isto é, a solidez da crença das subjetividades nesse campo de virtualidades, esfacela-se também o poder do soberano. O soberano não pode tão eficazmente realizar o campo de virtualidades. O que induz um círculo vicioso contrário ao círculo virtuoso de formação e de estabilidade do poder soberano e da comunidade política.

No ideal de funcionamento da política hobbesiana, o poder soberano sequer se manifesta, isto é, não precisa realizar o campo de virtualidades, não precisa mais punir. No seu desfuncionamento, no processo de sua dissolução, pelo contrário, o poder soberano é levado a constantes esforços de realização de suas promessas e ameaças. Quando essa capacidade de realização é tensionada, o poder soberano começa a falhar.

Esse processo de constituição e dissolução do poder soberano é muito semelhante ao mecanismo da moeda.

A moeda tem sua origem na letra promissória: na promessa de futura retribuição, em medida equivalente, feita por um particular a outro particular, no mecanismo de transferência da propriedade de uma mercadoria.

A moeda como tal surge quando essa promessa de retribuição não está mais ordenada a uma pessoa particular, quando não cabe mais a nenhuma pessoa determinada a obrigatoriedade de cumprir a promessa de retribuição, e quando qualquer um pode se assim desejar realizar essa promessa. A indeterminação do pagador da promessa (que é a indeterminação da mercadoria que se troca pela moeda) é o que constitui a liquidez da moeda. Mas a moeda só adquire seu pleno caráter social, quando a comunidade organizada passa a arrogar-se o monopólio da emissão da moeda. E o valor da moeda só se sustenta, quando a comunidade organizada, em última instância, pode cumprir a promessa de pagamento inscrita na moeda.

Essa semelhança entre o mecanismo de poder e o mecanismo da moeda, fundados na crença, talvez explique por que Hobbes usa, no inglês, commonwealth (riqueza comum), para o latim civitas (cidade, Estado).

Hobbes (1)
Hobbes (3)

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