Por que ainda não nos livramos do personalismo em política?

Em uma sociedade que ainda não superou seus afetos, há personalismo na política. Isso porque, nesse caso, só a pessoa é capaz de atrair ou repelir, unir ou desunir, convocar ou dispersar, conduzir ou desviar.

Onde a razão da ação humana (ractio actionis humanæ) ainda é uma causa afetiva, só a pessoa, como objeto do amor pessoal ou do ódio pessoal, politiza. Na sociedade afetiva, a política é de amigos e inimigos.

Sempre que há insistência ou atavismo da pessoa, expressos na reincidência, na reapresentação, na reeleição, na reelegibilidade, na continuidade da pessoa, ou até mesmo na indicação, feita por ela, de um novo caminho político, mostra-se novamente esse nosso traço personalista. Somos personalistas, porque nossas relações políticas, como as de família, envolvem afetos.

É possível livrar-se do personalismo?

Uma política impessoal remeteria, eventualmente, ao racional, mas como isso é improvável, mais certamente ao mecanismo. No impessoal, o mecânico impera como uma vontade. O impessoal na política é o dispositivo: o dispositivo jurídico, o econômico ou o biológico, por exemplo.

Em geral, quem é contra o personalismo pensa, com interesse, no dispositivo. Mas, é preciso dizer, nem todo dispositivo é impessoal. Quase todos os dispositivos são pessoais. E, muitas vezes, o que acreditamos ser personalismo é, no fundo, um dispositivo pessoal. Pois o dispositivo pode não eliminar a personalidade política, apenas a tornar uma função (notadamente, a função messias, a função führer, a função guardião).

Um dispositivo em que os magistrados são funções constantes ocupáveis por atores variáveis, em que as funções são personagens, embora já não mais personalidades, ainda assim é personalista.

Quando no impessoal, é a função, o personagem, que fabrica a pessoa, envolve o indivíduo e o modela como ator, ainda temos um dispositivo personalista, embora mecânico.

Talvez não haja diferença entre o personalismo e o dispositivo pessoal, máquina de pessoas. Afetados pela pessoa política ou pelo personagem político, não importa, somos personalistas do mesmo modo.

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