História e geografia

Justamente, quando Huizinga diz que a historiografia raramente conhece as causas dos acontecimentos, e deve basear suas conclusões nos próprios efeitos e nas suas circunstâncias, ele destaca, entre todas, a mais fundamental das condições que influenciam a história de um país: a geografia. A geografia e não, por exemplo, o modo de produção ou a religião. "The most fundamental circumstance, quite literally speaking, is, of course, the geographical situation, and the structure and nature of our country"*.

Assim, para entendermos a história de um país, precisamos incontornavelmente olhar para a sua situação geográfica, que, entretanto, no lapso de nossas gerações humanas, em geral, é praticamente uma situação invariável e portanto sem história. Para entendermos o variável, é preciso considerar, no seu âmago, o invariável.

No caso da Holanda, para Huizinga, a estrutura hidrográfica dos múltiplos canais, que não só atravessam, mas cortam o país, está em relação com a estrutura democrática do seu povo.

Dessa forma, acontecimentos de uma certa qualidade (histórica) são compreensíveis, sobretudo e também, a partir de um plano de condições de qualidade diferente (não histórica). Isso porque, entre acontecimento histórico e fundo geográfico, a diferença das qualidades não é da ordem da transcendência, mas da oposição. Assim, no confronto, um é influenciado pelo outro, o variável pelo invariável.

É claro que – mas isso nos interessa menos –, por outro lado, a história arrasta para seu seio a geografia. O vórtice humano, transformando o que se encontra a seu alcance, faz a qualidade geográfica ser também histórica.

Essa proporção entre história e geografia permite uma analogia com a proporção que o pensado mantém com o impensável, na filosofia. Do mesmo modo que a geografia está na história, ou o invariável no variado, na essência íntima de um pensamento, está o seu impensado quasiimpensável**.


(*) HUIZINGA, J. H.. Dutch civilisation in the seventeenth century and other essays. Trad. Arnold J. Pomerans. New York: Harper & Row, 1969 [1941]. P. 13.

(**) "O plano de imanência é ao mesmo tempo o que deve ser pensado e o que não pode ser pensado. [...] É o mais íntimo no pensamento, e todavia o fora absoluto". DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia?. Trad. Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora 34 , 1997 [1991]. P. 78.

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