Concordo: ter reconhecido o seu direito é um privilégio. Absurdo! Direito? Que direito? O direito é a ideia paradoxal – deixo falar uma voz rival – de “um privilégio para todos”*.
(*) SLOTERDIJK, Peter. O desprezo das massas: ensaio sobre lutas culturais na sociedade moderna. Trad. Claudia Cavalcanti. São Paulo: Estação Liberdade, 2002 [2000]. P. 90.
O segredo
No espetáculo, finalmente, somos levados à desconfiança em relação a tudo o que aparece, na medida em que tudo o que aparece, mesmo em oposição e luta, afirma o espetáculo. Para nós, então, algo precisa surgir, sem aparecer: o segredo.
O afeto social II: o sentimento do ainda-não-já-presente
No messianismo, o sentimento de fim dos tempos liga-se ao sentimento dos tempos inaugurais. É o tempo do ainda-não-já-presente.
A prudência inconsciente do desejo
Nosso desejo: somos nós. E possuímos, como desejo, uma sabedoria, ou melhor, uma prudência própria, que funciona, independentemente de nossas razão e consciência. Por exemplo:
Acreditamos que, conforme nosso desejo, mudaremos as coisas a nossa volta, acreditamos porque, além disso, não enxergamos nenhuma solução favorável. Não pensamos na que se verifica mais frequentemente, e que também é favorável: não conseguimos mudar as coisas conforme o nosso desejo, mas, pouco a pouco, é nosso desejo que muda.
PROUST, Marcel. Albertine disparue. Col. Folio Classique. Paris: Gallimard, 2009 [1923]. P. 35.
Efeito reverso III
Se a essência do humano é a consciência da
morte, então, os velhos são mais humanos do que os jovens.
Efeito reverso II
Se atribuímos a mortalidade apenas àqueles que
têm a consciência da sua própria morte, então, somos obrigados a reconhecer que os idosos são
mais mortais do que os adultos.
A que serve a Europa?
A nada mais do que isso!... http://nyti.ms/1oLNaEV
Vitória (guerra). Vontade de saber.
Pobre Europa da vida! Esquecidos europeus...
A sonda, o cometa e a especificidade humana
Parece-nos, agora, mais fácil promover um encontro (e um engate), que supere a impressionante distância de milhões de quilômetros, entre um corpo de partes plástico-metálicas e outro de partes minerais, do que um encontro efetivo, que supere, na formação de um novo corpo, coletivo, a distância afetiva entre corpos de partes carnais humanas. Certamente, por razão da complexidade dos mecanismos afetivos em jogo.
Efeito reverso, perverso
Se um filósofo obriga-se a pensar todas as suas experiências, a elevá-las ao conceito, então, fatalmente, ele terminará por reduzi-las aos limites da sua inteligência (algo que, geralmente, pode-se lastimar).
O afeto social de abandono
Há, sem dúvida, embora você talvez duvide disso, afetos sociais, coletivos. Circulam entre os indivíduos, articulando-os uns aos outros. Antecipam-se aos afetos individuais.
Dessa maneira, os corpos coletivos podem ser classificados segundo os seus afetos dominantes.
Podemos falar de corpos coletivos nos quais vige, dominante, o sentimento de fim, e diferenciá-los daqueles nos quais vige o sentimento de início, de abertura dos tempos, de inauguração (os migrantes, chegando à nova terra). Como, também, de corpos em que, na imaginação, vigora o impasse, a estagnação, a ausência do sentimento de mudança (a Constituição ou os anjos, em volta do senhor por toda a eternidade).
No cinema hollywoodiano recente e, portanto, presume-se, nos seus espectadores, vigora, acima dos outros, o sentimento de fim, o sentimento de que não há nada mais a se fazer, ligado à desistência humana da Terra. Depois de abusar dela, só resta a este corpo, abandoná-la.
Dessa maneira, os corpos coletivos podem ser classificados segundo os seus afetos dominantes.
Podemos falar de corpos coletivos nos quais vige, dominante, o sentimento de fim, e diferenciá-los daqueles nos quais vige o sentimento de início, de abertura dos tempos, de inauguração (os migrantes, chegando à nova terra). Como, também, de corpos em que, na imaginação, vigora o impasse, a estagnação, a ausência do sentimento de mudança (a Constituição ou os anjos, em volta do senhor por toda a eternidade).
No cinema hollywoodiano recente e, portanto, presume-se, nos seus espectadores, vigora, acima dos outros, o sentimento de fim, o sentimento de que não há nada mais a se fazer, ligado à desistência humana da Terra. Depois de abusar dela, só resta a este corpo, abandoná-la.
Diário de Moscou XXIII - Inverno(verão)
Impressiona-me que, até mesmo na região mais escaldante da Terra, em que eu tenha vivido, haja algo a que devemos chamar de inverno.
A experiência humana da vida, apesar de una (única, unida, homogênea), parece ser, de fato, constituída pelos contrários (“A ciência dos opostos é uma”*). A natureza, talvez não.
(*) ARISTÓTELES, –. Métaphysique. Tome 1. Livres A-Z. Trad. J. Tricot. Paris: J. Vrin, 2000 [1933]. Γ, 2, 1004a9. P. 114.
Biologismo
– Mas, filho, você já reparou na quantidade de pelos que ela tem nos braços?
– E daí, pai?
– Você não vai querer que os seus filhos tenham braços cabeludos, não é?
– E daí, pai?
– Você não vai querer que os seus filhos tenham braços cabeludos, não é?
Carnegie Hall e a educação da massa pela imaginação
“O ingresso caríssimo nos faz sentir especiais,
distinguidos. Afinal, isso não é para todos. Somos apenas 900 ou mil... A cantora lírica,
central no palco, nos deixa muito à vontade. Fala conosco como se estivéssemos a uma mesma mesa de jantar. Antes de começar a cantar, ela
expõe as elevadas imagens, que a música evocará logo em seguida, e os sentimentos que elas devem despertar em nós” ...pensou automaticamente o professor, de costas para a sala de aula, enquanto apagava o quadro-negro.
Colar e alívio II – no amor
Por que, afinal, preocupar-me e, até mesmo, sofrer prazerosamente com meus pensamentos, colares e alívios, sobre as oscilações pendulares de nossos laços intra-humanos, que, mais apertados, nos fazem massa, e, mais frouxos, multidão, se, no fundo do nosso ser, somos, incontornavelmente, indivíduos solitários e finitos, num universo infinito?
Os laços entre um ser e nós existem apenas em nosso pensamento. A memória, ao enfraquecer, os desfaz, e, apesar da ilusão, com a qual gostaríamos de nos enganar, e com a qual, por amor, por amizade, por educação, por respeito humano, por dever, enganamos os outros, nós vivemos sós.
PROUST, Marcel. Albertine disparue. Col. Folio Classique. Paris: Gallimard, 2009 [1923]. P. 34.
Metafísica da língua II – obediência e alteridade
_A língua nos permite dizer o que não podemos pensar.
Concordamos que há na obediência, necessariamente, a ideia de alteridade. Na obediência, há sempre um outro que comanda. Não se obedece a uma lei ou a uma ordem dada por si mesmo.
Obedece-se a uma ordem. “A obediência é uma a ção executada a partir de uma ordem. Certamente, a obediência tolhe a liberdade de algum modo”*. Pois, o essencial da ordem é que ela “provém, de algo estranho àquele que a recebe”**.
Contudo, na linguagem é correto dizer: “Eu me obedeço”. Nessa possível obediência a si, fica suprimida, ou é tornada insconsciente, a exigência de uma alteridade imperante. Já que a gramática, por outro lado, coíbe a diferenciação entre a referência objetal do “eu” e aquela do “me”.
Com a ocultação da mediação da alteridade na obediência a si, a moral pode, inconscientemente, se tornar uma ética da liberdade.
(*) SPINOZA, Benedictus de. Oeuvres III: Traité théologico-politique. Trad. Jacqueline Lagrée et Pierre-François Moreau. Paris: PUF, 2009 [1670]. XVI, §10. P. 519.
(**) CANETTI, Elias. Massa e poder. 4ª reimpressão. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2013 [1960]. P. 305.
Concordamos que há na obediência, necessariamente, a ideia de alteridade. Na obediência, há sempre um outro que comanda. Não se obedece a uma lei ou a uma ordem dada por si mesmo.
Obedece-se a uma ordem. “A obediência é uma a ção executada a partir de uma ordem. Certamente, a obediência tolhe a liberdade de algum modo”*. Pois, o essencial da ordem é que ela “provém, de algo estranho àquele que a recebe”**.
Contudo, na linguagem é correto dizer: “Eu me obedeço”. Nessa possível obediência a si, fica suprimida, ou é tornada insconsciente, a exigência de uma alteridade imperante. Já que a gramática, por outro lado, coíbe a diferenciação entre a referência objetal do “eu” e aquela do “me”.
Com a ocultação da mediação da alteridade na obediência a si, a moral pode, inconscientemente, se tornar uma ética da liberdade.
(*) SPINOZA, Benedictus de. Oeuvres III: Traité théologico-politique. Trad. Jacqueline Lagrée et Pierre-François Moreau. Paris: PUF, 2009 [1670]. XVI, §10. P. 519.
(**) CANETTI, Elias. Massa e poder. 4ª reimpressão. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2013 [1960]. P. 305.
O colar e o alívio
Um certo alívio (Mas em relação a que angústia? Sufoca-me o medo ou, o que dá no mesmo, o desprezo da multidão, das suas práticas, da sua racionalidade imanente) me advém da sugestão de que a multidão não é como uma massa (pode transformar-se em massa, mas apenas em certas circunstâncias). É preciso reconhecer os dispositivos que a convertem em massa. E, se possível, se desejável, neutralizá-los (é sempre perigosa e cega a massa?).
Isso diz respeito, claramente, à pretensa posição e tarefa do intelectual. O efeito Bourdieu (da separação radical entre o sociólogo e a sociedade de que ele fala), por exemplo, na crítica de Boltanski, ao que parece, nos levaria a afirmar que: “o sociólogo se torna o único sujeito ativo da crítica social, cujo objetivo é abrir os olhos das massas cegas, que desempenham antes um papel passivo”*.
O colar que me sufoca é pressupor que a multidão esteja sempre na forma da massa. Que o intelectual individualmente enxergue o que ninguém mais é capaz de ver. Que o intelectual não se considere, ele mesmo, uma parte da multidão. Ora, a esse tipo ideal de intelectual condiz, apenas, uma massa que o ouça, que o deixe pensar por ela. A multidão não lhe dá muitos ouvidos. Para ela, o intelectual é apenas mais uma voz na feira, anunciando uma promoção que só ele supõe mais espetacular do que as outras.
Isso diz respeito, claramente, à pretensa posição e tarefa do intelectual. O efeito Bourdieu (da separação radical entre o sociólogo e a sociedade de que ele fala), por exemplo, na crítica de Boltanski, ao que parece, nos levaria a afirmar que: “o sociólogo se torna o único sujeito ativo da crítica social, cujo objetivo é abrir os olhos das massas cegas, que desempenham antes um papel passivo”*.
O colar que me sufoca é pressupor que a multidão esteja sempre na forma da massa. Que o intelectual individualmente enxergue o que ninguém mais é capaz de ver. Que o intelectual não se considere, ele mesmo, uma parte da multidão. Ora, a esse tipo ideal de intelectual condiz, apenas, uma massa que o ouça, que o deixe pensar por ela. A multidão não lhe dá muitos ouvidos. Para ela, o intelectual é apenas mais uma voz na feira, anunciando uma promoção que só ele supõe mais espetacular do que as outras.
O intelectual-vidente faz massa.
(*) Conferir: PINZANI, Alessandro; REGO, Walquiria Leão. Vozes do bolsa família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2 ed. São Paulo: Unesp, 2014 [2013]. P. 36. E... http://thesocietypages.org/monte/2012/09/01/an-interview-with-luc-boltanski-critique-and-self-subversion/
(*) Conferir: PINZANI, Alessandro; REGO, Walquiria Leão. Vozes do bolsa família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2 ed. São Paulo: Unesp, 2014 [2013]. P. 36. E... http://thesocietypages.org/monte/2012/09/01/an-interview-with-luc-boltanski-critique-and-self-subversion/
Imagem como “cópia exata” da ideia humana
7900 anos. Piauí. A ponta de uma lança: “cópia exata”* da ordem. Precisamos nos esquivar do seu alcance. Enquanto ordem, arcaicamente, ela tem o caráter último de uma sentença de morte.
A exatidão da cópia é tão perfeita que ela não se distingue da ideia.
(*) CANETTI, Elias. Massa e poder. 4ª reimpressão. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2013 [1960]. P. 319.
A metafísica da língua
_ A língua nos faz dizer coisas que não pensamos.
Frequentemente, repete-se “meu corpo”. – “Eu cuido do meu corpo”. “corpo” aí funciona como objeto do cuidado. Quem é o sujeito? “eu”! Responde a gramática. Mas, o que é, no pensamento, o Eu senão também o Corpo? A separação objetal do Corpo, em relação ao Eu, é ainda reforçada pelo pronome possessivo “meu”. São essas possibilidades gramaticais da língua que, por exemplo, absorvem os quês não pensados.
Que diferença há entre: – “Eu cuido do meu corpo” e – “Eu me cuido”?
Frequentemente, repete-se “meu corpo”. – “Eu cuido do meu corpo”. “corpo” aí funciona como objeto do cuidado. Quem é o sujeito? “eu”! Responde a gramática. Mas, o que é, no pensamento, o Eu senão também o Corpo? A separação objetal do Corpo, em relação ao Eu, é ainda reforçada pelo pronome possessivo “meu”. São essas possibilidades gramaticais da língua que, por exemplo, absorvem os quês não pensados.
Que diferença há entre: – “Eu cuido do meu corpo” e – “Eu me cuido”?
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