O indivíduo é uma região perpassada por
intensidades que circulam também no não-individual: “uma agonia tão grande”; “uma
felicidade inexprimível”. E, nessa perpassagem, o indivíduo se desregionaliza
(se transforma no que não é, ou seja, pensa).
Diário de Moscou XVIII
Qual seria a medida do meu egoísmo? Seria tão grande a ponto de obstruir toda a visão que eu possa ter para além dele ou sobre ele na sua totalidade?
Diário de Moscou XVII
Perguntaram-me como eu me sentia (ou teria
sido uma voz interior?).
– Sinto uma tristeza infinita, respondi, que
se refere, não a um objeto atual, mas à poeira cósmica resultante de um
acontecimento fundamental que se esfarelou, perdendo sua capacidade de agir sobre
o universo, há muito, muito tempo atrás.
...e lembro-me de Benjamin:
“Quieto, vamos”, disse ela, acariciando-lhe a cabeça. “Quieto. A Dilsey está com você.” Mas ele berrava devagar, impotente, sem lágrimas; o som desesperado e denso de todo o sofrimento mudo que há sob o sol.*...e, novamente, de Benjamin:
Ele tem seu rosto voltado na direção do passado. Ali, onde nos aparece uma cadeia de acontecimentos, ele só vê uma única catástrofe, que, sem cessar, acumula ruínas sobre ruínas, e as precipita a seus pés.**
(* ) FAULKNER, William. O som e a fúria. Trad. Paulo Henrique Britto. São Paulo: Cosac Naify, 2012 [1929]. P. 348.
(**) BENJAMIN, Walter. Sur le concept d’histoire [1940]. Trad. Maurice de Gandillac, revista por Rainer Rochlitz. In: Oeuvres III. Paris: Gallimard, 2000. Tese IX. P. 434.
Provavelmente, sim; isto é, talvez, não
O conhecimento estatístico, que remete
ao 5º modo de conhecer, não é suficientemente percebido na parte de
desconhecimento que ele comporta. Por isso, o filósofo-que-vem (que prefere
manter-se no anonimato), quando confirma um dado estatístico, o assere da
seguinte maneira:
“Provavelmente, sim; talvez, não.”
(ou, como diria o filósofo-que-foi, Epicuro:
as coisas-que-ocorrem ocorrem em parte necessariamente, em parte ao acaso, mas,
também em parte, elas dependem de nós).
A invenção do tempo II
Já lemos acerca do tempo, da temporalidade,
como um artifício existencial humano. Temporalidade, uma categoria existencial, portanto; mas não
um transcendental da experiência; e, sim, uma invenção, uma ficção coletiva da
imaginação humana, uma noção criada em comum, que nos serve de princípio de
inteligibilidade (epistemológico), de
operacionalidade (político-pragmático) e de
compreensão de si (subjetivador).
Proust: “...como o porvir é o que ainda
não existe apenas no nosso pensamento, ele nos parece ainda modificável pela
intervenção in extremis da nossa vontade”*.
O tempo (o jogo presente do passado
sobre o futuro e do futuro sobre o passado) abre, na imaginação, o espaço
disposto-durante (o dispositivo-aí que dura em transformações e metamorfoses)
para a ação humana sob o regime da vontade.
(*) PROUST, Marcel. Albertine
disparue. Col. Folio Classique. Paris: Gallimard,
2009 [1923]. P. 4. Aqui, a tradução de Drummond, ao contrário do habitual, parece-me, ainda nos deixa em um sutil equívoco: “...sendo algo que só existe em nosso pensamento, o futuro nos parece
ainda modificável pela intervenção in extremis
da nossa vontade”.
Fofocas literárias
Quem disse “cada homem é árbitro de suas próprias virtudes mas homem algum deve prescrever o que é bom para outro homem”*?
(*) Certamente não foi, como se poderia crer: FAULKNER, William. O som e a fúria. Trad. Paulo Henrique Britto. São Paulo: Cosac Naify, 2012 [1929]. P. 197. Ou é ele quem tudo diz?
(*) Certamente não foi, como se poderia crer: FAULKNER, William. O som e a fúria. Trad. Paulo Henrique Britto. São Paulo: Cosac Naify, 2012 [1929]. P. 197. Ou é ele quem tudo diz?
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Assalta ao viajante o desejo de rotina, como uma sombra que deseja o próprio objeto do qual ela se projeta.
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