“Ah! Você preferiria dormir aqui, perto de mim, do que ir sozinho ao hotel, disse-me Saint-Loup, rindo-se.
– Oh! Roberto, você é cruel, ao tomar isso com ironia, disse-lhe, pois você sabe que isso é impossível [num quartel], e que eu vou sofrer muito por lá.
– Pois bem! Isso me compraz, disse-me, porque eu tive, por mim mesmo, esta ideia de que você preferiria ficar aqui esta noite. E é precisamente isso que eu fui pedir ao capitão.
– E ele permitiu? Exclamei.
– Sem qualquer dificuldade.
– Oh! Eu o adoro!
– Não, isso é demasiado. Agora me deixe chamar meu adjunto para que se ocupe de nosso jantar”, ele acrescentou, enquanto eu me virava para esconder minhas lágrimas.*
Nesta cena, Proust faz a descrição do reconhecimento do reconhecimento natural do favor que lhe fez o amigo.
Por um lado, aparece o incontornável do mecanismo afetivo, no automatismo das lágrimas. Se pudesse, Proust as evitaria; não pode, por isso se vira.
As lágrimas surgem como reconhecimento ou ação natural do corpo – uma secreção devida à alguma contração de alguma glândula. Contração à qual corresponde, junto ou ao mesmo tempo, na alma de Proust, a um afeto de reconhecimento (uma espécie de amor, de alegria cuja causa ele atribui a seu amigo) que ele não pode esconder, a não ser se virando de costas.
Por outro, ele reconhece imediatamente este afeto, que, para ele, porém, é desmesurado. Ele se envergonha (numa espécie de tristeza). Vergonha à qual corresponde, junto ou ao mesmo tempo, à virada do corpo de Proust.
A descrição da cena deixaria tanto o behaviorista como o animista em apuros.
O behaviorista, ao analisar a cena, precisa fazer abstração da alma (suprimi-la, desconsiderá-la). Olharia apenas para o comportamento, as lágrimas, o corpo que se vira. Seria difícil para ele explicar a virada do corpo. Como uma contração da glândula lacrimal, neste caso particular, faria virar o corpo, se, em outros casos, esta mesma contração não causa o girar do corpo?
O animista, ao contrário, ao considerar apenas o que se passa na alma – as intenções, as emoções, as volições, que animam, que fazem mover, que conduzem o corpo – teria dificuldades para explicar por que as lágrimas surgem, apesar da intenção da alma de as esconder. Para isso, talvez, fosse preciso hipostasiar na alma um princípio inconsciente.
Estas dificuldades, a do behaviorista como a do animista, cessam, se aceitamos saltar, oportunamente, de um plano a outro, do plano corpóreo ao anímico e vice-versa, a partir da premissa de que estes dois planos se equivalem.
Uma parte da cena é mais facilmente descrita no plano corpóreo, a das lágrimas, a outra, a da vergonha, no plano da alma ou das ideias das afecções do corpo.
(*) PROUST, Marcel. Le Côté de Guermantes. Paris: Le Livre de Poche, 1992 [1920]. P. 104.
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