– Sério, não sei se...
– Bem, seriamente. Seria_corpo...
– Corpo_seria_mente
Autarkeia ou o desejo a que nada falta
Para Elízia,
Queria lhe falar brevemente sobre uma bela palavra grega, a palavra autarkeia.
Na tradução direta para a língua portuguesa, em autarquia, ressoam, no entanto, conotações indesejadas. A autarquia portuguesa nos remete à imagem de uma velha instituição, à de um prédio cinza, em algum centro de cidade empoeirado, ou à imagem de um armário de gavetas de aço, esquecido num canto de repartição. A palavra portuguesa autarquia cheira a mofo.
Mofo, arquivo de aço, repartição de burocratas, prédio de escritórios, instituição. Nada disso na grega e frugal autarkeia.
Por isso, precisamos recorrer a certos desvios, numa tentativa de tradução indireta ou livre. Autarkeia quer dizer autossuficiência, independência, ausência de necessidades.
Mas isso poderia nos dar a impressão de que o indivíduo autárquico basta a si mesmo, que não precisa de mais nada e de ninguém mais, além de si próprio, para existir, agir e pensar. Como se ele fosse um império absolutamente isolado de outros impérios, desligado de tudo o que lhe cerca.
Se autarkeia significasse isso, autarkeia não teria significado algum. Seria mais uma palavra-ídolo, um simulacro, uma imagem vazia, ideológica, desancorada do real. Já que, na realidade, não há nada que baste a si próprio, que não necessite de outras coisas, água, ar, luz, nutrientes ou amigos, para existir e ser o que é.
A autarkeia grega, tal como ela se define, por exemplo, na Carta a Meneceu de Epicuro, é o desprendimento, o desapego. Não indica, portanto, a disposição de um indivíduo que não precisa da Terra para existir, mas indica a de um indivíduo livre, que não é cativo de nada e de ninguém, de nenhuma condição terrestre singular.
O desapegado tem muitos vínculos ali onde ele está. Mas essa vinculação não é uma condição insuperável. O desapegado se move livremente, alegremente. E reencontra imediatamente as suas condições existenciais em qualquer lugar em que esteja.
O desapegado é um nômade. Ele percorre a Terra e o Tempo. E as condições necessárias da sua existência, ele as encontra ao longo da sua travessia. Elas estão sempre ali onde ele vivente está. E onde elas não estão, ele não está.
“O vivente – escreve Epicuro – não precisa dirigir-se a nada como se alguma coisa lhe faltasse.”*
De fato, o desejo desapegado não é um desejo que se origina de uma falta, nada lhe falta. Isso não quer dizer que o desapegado não tenha desejo, mas que o seu desejo coincide com a sua vida. E a sua vida de vivente é, sempre, em todas as circunstâncias, plena, alegre e livre de qualquer condição singular. Ou ele não estaria ali onde está.
(*) Apud: LAÊRTIOS, Diôgenes. Vie et doctrines des philosophes illustres. Trad. diversos. Paris: Le livre de poche, 1999 [250]. Livro X (Epicuro, Carta a Meneceu), §128. P. 1311.
Eternidade na duração
Uma luz lançada sobre a relação entre a beatitudo e a eternidade em Spinoza encontramos em Epicuro.
(*) LAÊRTIOS, Diôgenes. Vie et doctrines des philosophes illustres. Trad. diversos. Paris: Le livre de poche, 1999 [250]. Livro X (Epicuro), §135. P. 1314.
Tu viverás [feliz] como um Deus entre os humanos, pois em nada se assemelha a um vivente mortal o humano vivente em meio aos bens imortais [como a felicidade].*
(*) LAÊRTIOS, Diôgenes. Vie et doctrines des philosophes illustres. Trad. diversos. Paris: Le livre de poche, 1999 [250]. Livro X (Epicuro), §135. P. 1314.
Pequenas faíscas e reflexos ofuscantes II
Conversando, chegamos à seguinte conclusão:
_ A linguagem nos faz dizer coisas que não pensamos.
- - - - - -
_ A linguagem nos faz dizer coisas que não pensamos.
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Em outro dia, encontramos em Aristóteles algo diferente, e parecido:
_ Mas tudo o que dizemos não é necessário que o pensemos.
ARISTÓTELES. Métaphysique. Tome 1. Livres A-Z. Trad. J. Tricot. Paris: J. Vrin, 2000 [1933]. Γ, 3, 1005b25. P. 122.
_ Mas tudo o que dizemos não é necessário que o pensemos.
ARISTÓTELES. Métaphysique. Tome 1. Livres A-Z. Trad. J. Tricot. Paris: J. Vrin, 2000 [1933]. Γ, 3, 1005b25. P. 122.
Como diz o paulista...
– Meu...
{simplificação/redução/obstrução de “meu irmão” simplificação de “meu deus”_ _ _
especulando`
se o azul fosse a essência do real
a realidade
seria
este céu
certo
todo dia
certamente
azul
Tudo é questão de método XIII
O que há de mais acelerado, no pensamento, do que um poema? A filosofia reduz o passo do pensamento. No encadeamento, retém a velocidade do fluxo. Quer ter o controle sobre o fluxo. Pausas. Fluir. Stop.
Um azul fulgurante
o Céu azul
infalivelmente
azul
para
perfurar o sentido das
folhas secas
através
até
nossos olhos
também
azuis
A cadeia alimentar e seu topo
A cadeia... não no sentido de alinhamento linear de elos engatados um no outro até a ponta... a cadeia... no sentido do que encerra num âmbito de barramento.
A cadeia alimentar, por exemplo. Não estamos na ponta acima de todos os elos. Estamos encerrados nela.
Quer dizer:
Não controlamos o alimento de maneira absoluta, pois sem ele não somos nada do que somos.
A cadeia alimentar, por exemplo. Não estamos na ponta acima de todos os elos. Estamos encerrados nela.
Quer dizer:
Não controlamos o alimento de maneira absoluta, pois sem ele não somos nada do que somos.
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O que é o niilismo senão o fim do finalismo,
a finalização da ideia de que tudo estaria aí para alguma coisa além dela (gloria dei seu homini)?
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O pensamento livre, não ofuscado, não é simplesmente a nossa capacidade de perceber sem embaraços a realidade tal como ela é, mas fundamentalmente a nossa potência de agir sobre ela, de agir livremente nela.
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