Encontramos uma versão elaborada daquela frase lapidar, abrupta e grega – “nihil ex nihilo” –, em Lucrécio (De natura, livro I, l. 150):
“nullam rem e nilo gigni divinitus unquam”.
A qual poderíamos verter assim:
Nada vem do nada, nem mesmo sob inspiração divina.
A física (episteme humana) tem seu impulso no desejo de provar essa tese, para tranquilizar o ser humano, para fazer com que ele perca o medo do extraordinário, do sobrenatural, daquilo que do nada adviria.
Fique tranquilo, do nada nada vem. Sequer divinamente. Tudo tem uma causa. É virtualmente possível encontrarmos as causas de tudo.
Isso (esse trabalho, essa função da física de eventualizar os acontecimentos) tem inicialmente uma função emancipadora e humanista.
Então, por que Epicuro se insurge (DL, X, 134) contra os físicos ou fisicalistas?
Porque, levada ao extremo, a tese de que “tudo tem uma causa” nos conduz ao determinismo e subtrai a liberdade ao ser humano enquanto sujeito (aqui, no sentido de causa própria de suas ações). O determinismo suprime o sujeito no humano, apaga o projeto humanista. Com isso, tendencialmente, caímos no fatalismo. Na aceitação do que é como o que é racional.
Se nada vem do nada, sequer divinamente; se tudo, na matéria, tem uma causa também material; se o corpo não sofre nenhuma influência do imaterial, do espiritual; então a ação humana, a práxis, que tem um desdobramento na matéria, não pode encontrar seu impulso no livre-arbítrio do sujeito nem na sua alma, e deve ser explicada apenas pelo corpóreo, próprio ou alheio.
No final das contas, para a episteme do determinismo da natureza, o ser humano não é a causa própria de suas ações, mas seu agir é determinado por causas exteriores que lhe escapam completamente.
Obviamente, Epicuro é um fisicalista. Mas um fisicalista humanista. Ele quer liberar o ser humano do medo dos deuses (sem porém negar a existência divina), mas também não quer deixá-lo entregue ao simples jogo natural.
Por isso, Epicuro questiona a causalidade absoluta. Nada vem do nada, correto. Tudo tem uma causa, correto também. Entretanto, o efeito não tem sempre uma única causa determinada.
Epicuro não eventualiza completamente o acontecimento.
Um acontecimento, afirma Epicuro (D. L., X, 133) pode surgir de uma causa necessária, a única que aceitam os deterministas, ou pode depender da fortuna (da Tykhe, do acaso), ou, ainda, pode depender de nós mesmos.
Ora, essa contingência da causa, porém, subtrai as condições para o sucesso absoluto da episteme humana. Preserva-se o papel do acontecimento, do incognoscível.
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