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A gênese essencial da filosofia e da loucura


A maneira como se produz a filosofia, também conhecida como o pensamento superior, é a mesma pela qual se produz o pensamento primitivo e a loucura.

Ambos, o filósofo e o ser humano primitivo, tomam a ordem e a conexão das suas ideias como a ordem e a conexão das coisas, ou seja, da realidade exterior.

A diferença entre eles talvez seja que, ao fazerem isso, o filósofo acerte e o louco se engane.

Spinoza (e2p7): “A ordem e a conexão das ideias é a mesma que a ordem e a conexão das coisas”.

Frazer: “os homem tomaram por engano a ordem de suas ideias pela ordem da natureza” (citado por Freud em Totem e Tabu).




Inteligência poética


Ao que parece, primeiramente apreendemos uma ideia de maneira poética, pela intuição da sua poesia. A poesia seria a primeira apreensão de uma ideia verdadeira, isto é, essencial e original; poesia, a nossa experiência primeva de uma ideia. Depois, a poesia – ou o encantamento da língua com a ideia – dissipa-se, ao se expressar como prosa, argumento, ciência, filosofia.

Acerca disso: a relação de Freud com Goethe (cuja poesia parece envolver de maneira sublime a ciência freudiana).




Para o lado da imagem


Sinto-me atraído, além das ideias, também, e às vezes até mais, para a imagem (que, assim como ocorre com atração para a ideia, se mostra em seus aspectos passivos – imagem-impressão – e simultaneamente ativos – imagem-expressão).

Ideia-imagem, um mesmo elemento em modos distintos – modos de pensamento. Não há ideia que não implique alguma imagem? E imagem, que não envolva alguma ideia?

Sobre a primeira questão, lembro-me da secular nota de Spinoza : “quase nada podemos inteligir acerca de que a imaginação não forme, imediatamente (è vestigio), alguma imagem”*.



(*) SPINOZA, Benedictus de. Correspondance. Trad. Maxime Rovere. Paris: GF Flammarion, 2010. Lettre XVII, §5. P. 124.





O endereço


É muito instigante e inquietante quando nos é dada a localização para um futuro encontro por meio de um endereçamento bastante complexo e burocrático, que aponte o local, ao qual devemos nos dirigir, como a pequena parte de uma parte mais ampla, que, por sua vez, é parte de uma outra ainda maior, e assim sucessivamente. A impressão se amplifica se são atribuídas a essas subpartes e partes de partes, de maneira incompreensível, ora nomes pomposos, galantes, ora siglas obscuras, ora sinais algébricos que parecem pressupor alguma lógica territorial que desconhecemos. Ir até o local, então, nos parece uma viagem para dentro de um corpo obscuramente organizado, que nos engole monstruosamente, como uma porção de alimento que percorre algum aparelho digestivo.







Massa amorfa, massa amorfa!!!


Lembro-me daquela mulher que – ela mesma bastante atraente, isto é, aglutinadora – gritava, bêbada... na direção dos outros, juntos, todos: – Massa amorfa, massa amorfa!!! Seu grito de guerra ao ano de 2016 que se ia inexoravelmente.

Hoje, essa expressão ressurge para mim, como que do nada, num texto de Flusser. Segundo ele: as imagens técnicas não foram “capazes de reunificar a cultura, mas apenas de fundir a sociedade em massa amorfa”.





Imagem e palavra


A imagem escreve um texto (conta uma história com palavras). A escrita figura uma imagem (desenha traços pretos, cinzas, azuis, vermelhos no papel). Não, não! Não levar, reduzir, transpor a imagem em palavra. A imagem é para ver – sem história, não para falar. A imagem que não fale. Como a escrita é pra falar. Ver a imagem, não algo através dela. Na fala, ouvir a música? Assim, um estrangeiro, de olhos fechados, num país em que se fala uma língua que ele desconhece absolutamente.

“O discurso e a figura têm cada um seu modo de ser; mas eles entretêm relações complexas e intrincadas.”
FOUCAULT, Michel. Les mots et les images. In: DEFERT, Daniel; EWALD, François; LAGRANGE, Jacques (Orgs.). Michel Foucault: Dits et écrits. Vol. I. 1954-1975. Paris: Quarto Gallimard, 2001 [1994]. P. 650.


+++ gás


uma cobra infalível ataca dois gatos
que morrem virados
com a barriga inchada para cima
as patinhas moles dobradas
– não sei de onde
surge e insiste
uma esperança-sem-razão
de que ressuscitem



Percursos entre imagens e essências


As imagens parecem se oferecer à imaginação num prazer imediato, que demanda aderência.

As essências, à inteligência num labor dolorido, que impele a um afastamento.



++ gás



Vivo, ou envelheço, no ponto-limite de uma linha esticada imaginariamente a partir de um outro ponto, este real, segundo a ideia arbitrária de um certo habitante da Terra. Na ponta do real, diríamos. Um passo além, e caio no inexistente.




+ gás



Em geral, tomo um grupo de palavras estranhas, sonoras, como se fosse o convite erótico de uma porta semiaberta por um amante desconhecido. Sem o desejo de se conter, meu corpo se expande por ali, como um líquido, ou melhor, um gás. Não sai de onde está, mas vai através da abertura também, perdendo sempre algo da sua densidade. Cada vez mais gasoso.



retardamento


que há em cuidar de um gato?
que se passa? que transformação?
nada
nessa atenção afetiva
nenhuma caridade nenhuma revolução


Consciência Frankenstein: ponte ou muro?


As investigações das relações entre indivíduo e coletividade parecem requerer a urgência de ousados experimentos. Indivíduos que vivem em grupo formam uma nova consciência ligada ao corpo coletivo formado pelas relações físicas entre os corpos individuais? E nós mesmos, os indivíduos, somos mesmo indivisíveis? Podemos imaginar...

“Se o cérebro de um ser humano pudesse ser dividido com uma faca em duas partes e cada uma delas continuasse a funcionar, sua consciência seria então dividida em duas consciências; e, inversamente, se uma ponte funcional de matéria nervosa pudesse ser estabelecida entre os cérebros de dois humanos, sua consciência iria se fundir em uma única consciência.”*

Disso dependem a construção de uma ponte e a construção de um muro.



(*) MCDOUGALL, William. The Group Mind. 2 ed. London: Cambridge University Press, 1927 [1920]. P. 33.



Prisão II – metonímia


até a boca ocupar o nome do rosto todo
até falar só da prisão em lugar da cidade

...construir mais presídios...



A pulsão para a verdade


Vivemos em um mundo de inverdades (abandonados no deserto? sim, mas também com um adicional de liberdade). Isso nos constrange, nos impede, nos limita, nos entristece? Por isso, nossa pulsão para a verdade pode ser dita erótica (ou melhor, a força erótica assume a veste de uma potente vontade de verdade). Obviamente, isso comporta um perigo: abraçar-se à “verdade” a qualquer custo, por não suportar a visão abismal e a vida abandonada no deserto, sem heróis que nos guiem (sem Moisés). Um mundo de inverdades se mostra, no momento, como a condição da multidão livre – por isso, aproveitemos do sol, do ar, da água, dessas verdades, no deserto do real.



O real é fotografável


Propriedade do filósofo, mas não do profeta:

– “Quem ouve o filósofo torna-se filósofo. Quem ouve o profeta, por sua vez, não se torna profeta” (Spinoza).

O real tem a seguinte propriedade (tal como o filósofo, o real comunica, “dá do seu espírito”):

– Tudo que vem do toque/resvalo, da estima, do pensamento, da percepção, da escuta, da fotografia do real se soma ao real e o modifica. Logo, toda foto é e modifica o real.


Diário de Berlim _ inflexio


Nossa dificuldade com o cinema é artística (técnica): é fazê-lo, não pensá-lo. Isso não ocorre com a fotografia.


A carruagem deixa rastos na lama porque é pesada


As palavras que dizemos são pesadas. Pesam naqueles a quem as dirigimos. Pesam em nós que as pronunciamos.


Salus


Bartleby, postado ante a janela que se abre para uma parede cega de um outro prédio. A 2 ou 3 metros do seu nariz. E, a uma altura praticamente infinita. Diante do muro. Perceber (enfatizar, ou poduzir) distinções.