A imagem mediatriz de Bergson


O esteta não se interessa tanto pela intuição filosófica, é verdade, mas pela imagem mediatriz, ligada a ela, e que é mais próxima dela que os conceitos de uma filosofia. Mesmo prisioneiro da imagem, e a intuição filosófica lhe permanecendo inacessível, ele estaria mais próximo da intuição do que o estudante de filosofia preso aos conceitos.




O endereço


É muito instigante e inquietante quando nos é dada a localização para um futuro encontro por meio de um endereçamento bastante complexo e burocrático, que aponte o local, ao qual devemos nos dirigir, como a pequena parte de uma parte mais ampla, que, por sua vez, é parte de uma outra ainda maior, e assim sucessivamente. A impressão se amplifica se são atribuídas a essas subpartes e partes de partes, de maneira incompreensível, ora nomes pomposos, galantes, ora siglas obscuras, ora sinais algébricos que parecem pressupor alguma lógica territorial que desconhecemos. Ir até o local, então, nos parece uma viagem para dentro de um corpo obscuramente organizado, que nos engole monstruosamente, como uma porção de alimento que percorre algum aparelho digestivo.







Massa amorfa, massa amorfa!!!


Lembro-me daquela mulher que – ela mesma bastante atraente, isto é, aglutinadora – gritava, bêbada... na direção dos outros, juntos, todos: – Massa amorfa, massa amorfa!!! Seu grito de guerra ao ano de 2016 que se ia inexoravelmente.

Hoje, essa expressão ressurge para mim, como que do nada, num texto de Flusser. Segundo ele: as imagens técnicas não foram “capazes de reunificar a cultura, mas apenas de fundir a sociedade em massa amorfa”.





Imagem e palavra


A imagem escreve um texto (conta uma história com palavras). A escrita figura uma imagem (desenha traços pretos, cinzas, azuis, vermelhos no papel). Não, não! Não levar, reduzir, transpor a imagem em palavra. A imagem é para ver – sem história, não para falar. A imagem que não fale. Como a escrita é pra falar. Ver a imagem, não algo através dela. Na fala, ouvir a música? Assim, um estrangeiro, de olhos fechados, num país em que se fala uma língua que ele desconhece absolutamente.

“O discurso e a figura têm cada um seu modo de ser; mas eles entretêm relações complexas e intrincadas.”
FOUCAULT, Michel. Les mots et les images. In: DEFERT, Daniel; EWALD, François; LAGRANGE, Jacques (Orgs.). Michel Foucault: Dits et écrits. Vol. I. 1954-1975. Paris: Quarto Gallimard, 2001 [1994]. P. 650.


Duas determinações cruzadas do horizonte


1) Plano frontal: anterior-posterior. O horizonte não se deixa jamais apreender objetivamente. Não há conceito-objetivo de horizonte. Já que ele sempre circunda, está à frente, mas, também, sempre ao mesmo tempo, por trás. Revela de si um aspecto, e oculta, simultaneamente, outros.

2) Plano horizontal: acima-abaixo. O horizonte é o limiar do visível-inteligível. Marca o limite entre o que se manifesta (acima do horizonte) e o que permanece latente (abaixo do horizonte, invisível, impensável)

O horizonte é propriamente o cruzamento desses dois planos.


+++ gás


uma cobra infalível ataca dois gatos
que morrem virados
com a barriga inchada para cima
as patinhas moles dobradas
– não sei de onde
surge e insiste
uma esperança-sem-razão
de que ressuscitem