O trágico e a episteme II

“...pois seria preferível seguir o mito, no tocante aos deuses, do que se submeter ao destino dos fisicistas: o primeiro, com efeito, esquiça a esperança de tornar flexíveis os deuses, ao honrá-los, enquanto o outro apresenta a inflexível necessidade”.

Epicuro, Carta a Meneceu, in: LAÉRCIO, Diógenes. Vida e doutrina dos filósofos ilustres. Livro X, §134.

Isso, como tudo, fica para ser pensado.

No fragmento, aparecem o elemento mítico e o fisicista, e não, pelo menos não expresamente, o trágico.

O trágico apresenta o divino surdo ao apelo humano. O deus absconditus, insondável e inflexível. Tudo no humano é pré-destinado, mas ele não é consciente disso.

A religião mítica, supersticiosa, do mundo encantado, abre os ouvidos dos deuses. Retira a cera. Os deuses passionais se encantam com o canto humano in gloriam dis. Isso deixa uma abertura para o humanismo, mais precisamente, para uma religião humanista. Os deuses em parte sondáveis são, porém, flexíveis. Os deuses concedem aos homens os meios de sua justificação. Mas tudo aqui pode ser superstição e medo.

Os fisicistas, no fragmento, representam a episteme humana, mas não emancipadora, que apresenta a necessidade do acontecimento como algo cognoscível, como evento. Deus, enquanto natureza (physis), é sondável, mas inflexível. O projeto humano deve flexionar-se. O humano resigna-se diante do dado. Pois o dado, o fato, é o divino. Os fisicistas, aqui, são os deterministas fatalistas. É a dissolução da situação trágica no fatalismo.

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