Mais e mais vida e a morte


A partir, pelo menos de Além do princípio do prazer, parece evidente a Freud, apesar do incômodo e do desprazer que isso, manifestamente, lhe causa, a existência de uma pulsão independente da pulsão de vida, e que lhe é oposta: a pulsão de morte.

Se, por um momento, adotamos a orientação lexical da ontologia, podemos dizer que, em cada modo de ser, uma potência de não ser acompanha a potência de ser que afirma a existência própria ao modo. O modo de ser não seria apenas a sua própria afirmação, mas também a sua própria negação.

Em termos vitais: o ser vivo, o vivente, seria atravessado por dois desejos opostos. Um, referente a Eros, que o leva a afirmar a vida mais e mais; outro, a Tanatos, que o impele na direção da morte, da destruição da vida. Estariam presentes, no vivente, duas forças, dois afetos contrários, que comprometem a unidade das suas ações.

Na imagem: são dois vetores.



Bataille, em O Erotismo, parece reencontrar a unidade pulsional do vivente. Ao definir o erotismo, o momento em que Eros é elevado à sua própria radicalidade, como “a aprovação [ou afirmação] da vida até na morte”, Eros e Tanatos aparecem juntos e integrados. De tal maneira que é o próprio desejo de mais e mais vida que, na sua radicalização, nos deixa às portas da negação da vida.

Na imagem: apenas um vetor.




Estamos falando, em ambos, Freud e Bataille, de um anseio pela continuidade. Anseio é uma modulação do desejo como desejo de um objeto que falta (em Spinoza, é desiderium).

Em Freud, este anseio é o esforço erótico progressivo de “juntar o orgânico em unidades cada vez maiores”*, isto é, numa contiguidade crescente do ser. Tal esforço erótico se contrapõe, porém, à tendência regressiva a um estado anterior à vida, ao estado pré-orgânico, à morte.

Em Bataille, este anseio é a “nostalgia da continuidade perdida”**. Mas este anseio é o próprio anseio erótico radicalizado. O reencontro da mais ampla continuidade possível.






(*) FREUD, Sigmund. Au-delà du principe de plasir. Trad. Jean-Pierre Lefebvre. Paris: Points, 2014 [1920]. P. 136.
(**) BATAILLE, Georges. O erotismo. Trad. Fernando Scheibe. Belo Horizonte: Autêntica, 2013 [1957]. P. 39.

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